NASCIMENTO
"...E quando nos beijávamos......
E eu perdia a respiração e, entre suspiros, perguntava: Em que dia nasceste? E me respondias com voz trêmula: Estou nascendo agora..."
Mia Couto (1955 - )
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NASCIMENTO
Até hoje,
apenas ensaiava nascer,
Sonhava com o leito
onde daria meu primeiro sorriso,
do leito
onde iria dormir
ao leite,
no seio,
que iria me nutrir.
O útero agasalhava
meus desejos,
fermentava-me o amor
que um dia,
eu te daria.
A vida ainda era uma possibilidade,
guardada na gaveta
da futura natalidade.
E de tanto ensaiar,
um dia estreei,
quando te vi
diante de mim.
Percebi
que teus olhos
eram o berço,
me embalavam,
balançavam em mim,
me embalavam
num laço de cetim.
Eu nasci
na maternidade
da tua boca
e amamentei-me de
teus beijos
e depois,
morri em teus braços
para resuscitar em
teus orgasmos,
para me inundar
nos orvalhos,
e me desnudar
nos carvalhos,
e me remendar
nos retalhos,
e te acorrer
nos atalhos
do teu corpo,
no sopro
da vida
que destes
para mim.
E tantas vezes eu nasci,
e por tantas manhãs
ainda nasceria
de ti, ... junto a ti.
Tu és mãe, amante,
mulher, amanhãs,
e todas as outras
infinitas estações
que o trem
do tempo,
e do amor
desembarcaram
em mim.
Quando te conheci,
finalmente eu nasci,
e
ao te ver,
ao te ter,
nunca mais
parei de nascer.