A CAMINHADA
E naquela tarde eu andava de mãos dadas
com o tempo que se aproximava
E em vão tentava segurar o chapéu
que insistia em não ficar mas voar
solto no vento que corria
pelo caminho que circundava o parque.
E o casaco era grande
maior que a envergadura do meu corpo
porque eu emagrecera é claro
já não tinha carnes, quem dera
A vida as consumiu e a constância
roía os ossos fracos e cansados.
A doçura de minha vida já se fora
na memória da terna e meiga companheira
Que já não mais me espera com um café
passado há pouco quente e forte
Batata doce e torrada
E uma conversa p'ra espantar o dia.
E os filhos hoje importantes
Viajam a vida a trabalho
E nas perguntas feitas ao final do dia
Em ligações vigilantes e atenciosas
Querem saber se as consultas estão em dia
E se a saúde anda forte.
Caminhar, disse o médico, caminhar
É o que deve fazer
E tomar as vitaminas porque essas te deixam forte
Forte, forte em quê?
Nas lembranças malgastadas?
Só se for porque de resto tudo é fraco
E a memória já não obedece por mais que insista.
Mas vejam, vejam só que engraçado
A vista não é boa é lógico
Aqui tudo é precário
Mas eis que um esquilo surge a minha frente
E para acautelado
Mãos em concha no focinho
Cheira uma goiaba alcançada
Me encurvo ao seu lado cativado
E penso numa compreensão silenciosa
Que engraçada é a vida
Acho que já não mais vivo cá
Porque já não me apercebe o danado.