A DONA DOS OLHOS
"Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
A dona dos olhos nem via."
Fragmento de "Até Pensei"
Chico Buarque de Holanda
(1944 - )
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A DONA DOS OLHOS
Eu que pensei ter seus olhos,
por cima do muro dos sonhos,
onde ela morava
e eu pulava,
e subia para arrancar
a maçã do amor
das suas árvores.
Eu subia nele,
em cada sonho,
escalava as elevações
do indômito
coração.
Me arvorava
no incômodo
das tentativas vãs,
o tempo passa,
e ela voa,
e elas vão.
As raízes eram tão fortes ...
E se não conseguisse arrancá-las?
Bastaria apenas um fruto?
Talvez devesse entrar nos cômodos,
desalojá-la da minha ausência,
desabotoar sua blusa invisível
que tem guardada
numa gaveta do quarto escuro.
Quem sabe pudesse
invadir
sua alma,
desinvadir-me
da calma,
vadiar-me
de esperança
e
evadir
com os seus desejos
mais secretos,
não tão discretos
como minha ingenuidade
poderia supor.
Eu pegaria cada um deles
e os trancaria
nas minhas gavetas,
no meu quarto escuro,
dentro do muro
que a minha fantasia
construiu só pra mim.