A SUJEIRA IMPREGNADA NA ROTINA RESIGNADA (Ari, o gari)
(DA SÉRIE: ECOS DO COTIDIANO)
O homem
retira o refugo das cidades,
sujas de desumanidades.
No sol do meio dia,
em sua meia vida
apanha o rebotalho
das atrocidades
da via e da avenida,
do viário assoalho.
Quanto ainda há de se tirar
de sonhos descartados
nas sarjetas?
Lágrimas escorrem
secas nas valetas.
Rostos apagados,
retratos do esbulho;
nem podem mais chorar:
estão calados,
soterrados
pelos entulhos
que o amanhã irá jogar.
Em sua rotina,
a vassoura limpa,
mas não descortina
o que ficou, infausto,
sob o tapete de asfalto.
Já não há sobressalto
para o
retirante do mundo ...
do lixo
perdeu-se a essência,
quando tudo virou
prolixo.
Parcela
divisível
do seu trabalho, digno ofício,
o enorme restante do orifício
ainda permanece
invisível,
insensível
no infausto calvário
das ruas,
cruas,
cruéis,
cinzéis
do holocausto diário.
Não há mais
nada o que fazer,
dizer, chorar ou rir
há mais para recolher
escombros do existir,
da poeira ferina,
sujeira humana,
da vida severina
da morte urbana,
que todos os dias
vê por aí,
Ari, o gari.