O SONHADOR DE ESPERANÇAS
Amanheceu
uma ansiedade bronzeada
com a tinta dum novo sol.
Pássaros afinam seus cantos
em auspiciosa melodia.
O vento sussura alvíssaras
no ouvido de inquietas folhas.
Ouve-se ao distante,
inaudível,
o salivante som
do ansiado regresso.
A alma pulsa
como se quisesse penetrar
na fresta do tempo
e adiantar seus ponteiros.
Tudo conspira
com a eternidade
do iminente momento.
Entrego-me à liturgia da espera.
As flores hibernam inodoras:
Tomei emprestado seu perfume;
Prometo devolvê-lo,
quando outros cheiros
se aboletarem na minha tez.
Meus olhos
vagueiam imprecisos,
em frêmito,
para encurtarem lonjuras;
Querem precipitar,
ávidos,
o que a saudade já desenhou
em antanhos pensamentos.
Horas chicoteiam
no dorso do tempo
as chagas de impacientes desejos.
O dia espreguiça-se
e começa a desabotoar-se.
Eu lá estou
na aflita penitência do aguardo.
Sucedem-se rotações
dos relógios,
na moldura que a circunferência
reserva para o reencontro.
(...)
E o dia passa,
a noite vem,
o sono me arrebata,
e o sonhar
me alcança
na inadiável necessidade
de mais um amanhã.
Na onírica terapêutica
de uma inconclusa chegada,
ainda não inventaram
nada melhor
para revigorar a esperança,
nos tempos que o amor
ainda não se despiu por completo
das incômodas
e tortuosas vestes
de suas ausências.