ESCRAVO DO TEMPO
João da Hora,
relojoeiro,
o ano inteiro.
Do sobrenome
ao seu ofício,
no frontispício
de cada relógio,
no tempo ora consertado,
o seu negócio,
na noite insone,
ele vai sendo escravizado.
Desperto, guarda
o minuto, o segundo
no fundo do coração
de cada engrenagem
só, na madrugada!
No tic-tac do mundo,
como por devoção,
sem ter nenhuma pressa
como uma sagrada prece,
um ritual de passagem:
ele ajoelha e ora
e venera sua hora,
todo tempo que ele tece.
Falta-lhe na cronologia,
ser dono do horário
distante do algoz,
senhor da razão,
da sua escravidão
e de toda sua fantasia
que o trabalho
lhe arranca da voz.
Sempre no aniversário,
promete parar a servidão,
desse eterno conserto,
virar regente
fazer o terno concerto
para a namorada
que ainda espera,
entediada,
impaciente,
pelo "seu hora",
pela sua hora,
pela permissão do tempo
inclemente!