A PRIMEIRA VEZ QUE EU VI O MAR
Quando conheci o mar,
meus olhos de menino
beijaram primeiro
a areia da praia:
pedia uma benção,
permissão para entrar no santuário líquido.
A ansiedade desgarrou-se
da curiosidade
e abraçou o medo.
Como poderia profanar
aquele senhor
que trazia em seu leito
todos os meus sonhos
de infinito?
Olhei para o horizonte
e ele pareceu piscar para mim,
tentava me seduzir
em sua linha,
me emaranhando
no novelo de águas
tecendo um agasalho infantil
para me ofertar
pelas mãos de Iemanjá.
As ondas vinham
lamber a face dos meus pés,
um convite gelado
na brisa serena da tarde
para eu pisar o seu tapete molhado.
Tive dúvidas.
Lembrei do homem que caminhou sobre ele,
sem amassar suas ondas.
Queria ter esse poder:
não por soberba,
mas por respeito...
por devoção!
Eu olhava para lá:
ele, imponente,
eu, impotente,
os dois, inocentes.
Quis por um momento
deitar em teu colo
sugar teu seio ...
profundo,
me afogar em contemplações e devaneios.
Uma estrela apressada
veio avisar-me
da noite inquieta,
avisar-me do meu desaviso,
do desvairio de verão.
O tempo arregaçou
as mangas,
e a tarde
se despediu rápida,
porém placidamente
do meu olhar perdido,
pedindo um novo amanhã.
Extasiado fiquei
com aquela imensidão
coberta pelo véu da noite
que começava a construir
seu teto estrelado.
Peguei na mão
do meu pai,
que pacientemente
pareceu entender todo aquele ritual de iniciação.
Ele sorriu com o seu silêncio,
eu sorri com meu grito de contentamento.
E fomos para casa
naquela noite:
eu cheio de estórias para contar,
ele, repleto de paciência para ouvir.
No fundo, ele resgatava o seu eu-menino que o tempo afogou dentro de si.
Mais tarde,
quando a noite terminou de abotoar seu manto escuro,
sonhei o sonho mais lindo
que um garoto recém-oceânico poderia ter.
Não queria mais ser médico, engenheiro, advogado:
queria ser apenas um pescador
com uma rede mágica
para sair, furtivamente,
antes do sol acordar
e capturar aquele mar
sem fim,
só para mim,
só para mim!