COMO UMA BAILARINA
O que de mim eu sou,
no espetáculo de horror
que a vida se transformou?
Receptáculo de toda dor,
sou plateia, mero expectador,
ou na odisseia
eu serei um cabotino,
em meio ao desatino,
fazendo graça
da desgraça,
com trapaça,
sendo um réles ator,
torpe e enganador?
Tento ser santo,
como que por encanto,
mas pela via do pranto
para meu ingênuo espanto
não sou nem mesmo o andor.
Ou serei aquele
que de mim regresso,
buscando progresso
nas veias, nas vaias
nas valas, nas velas
de onde fui egresso,
da peça que fui sucesso,
mas que do tempo
não restou nem o ingresso?
Não sei por que ainda há chama
na voz que chama e não inflama
do peito vazio que já não clama.
Da bandeira que um dia hasteei
contente
só sobrou a flâmula débil e
impotente.
Mas se ainda me resta
algum amor próprio
suficiente nessa festa
infame e baldia
digna de opróbrio
de uma bacante fria,
que mais parece a farsa
que tanta vilania disfarça,
não serei o imundo
a pisar no teatro
moribundo
que no palco do drama
em toda sórdida trama
fez de mim vagabundo.
Mas se for esta minha sina
neste mundo tão inverso
vou andando assim à esmo,
levando comigo toda rima.
Carrego, enfim, meu verso
e como a teimosa bailarina
vou dançar pra mim mesmo
no centro de outro universo.