A PANDEMIA DE UM COVEIRO
A PANDEMIA DE UM COVEIRO
(nunca trabalharam tanto, porque alguns trabalharam tão pouco)
De tanto sepultar sonhos,
abandonados na matéria fria,
e avizinhar-se da dor alheia,
aquele homem ficou alheio
da sua própria pandemia.
Se acostumara com a morte,
seu dever de ofício:
cavar um buraco, um orifício.
Suas lágrimas
há muito secaram
na sepultura dos seus olhos.
Respirava a morte,
vivia a morte,
vivia da morte!
Seu sustento, ganha-pão.
Onde muitos
ganharam a terra,
e outros perderam o chão.
Abriu tantas covas
enterrou tanta gente
que em cada túmulo
ficou um pouco do coração.
O homem,
sem perceber,
morria, insepulto,
a cada dia
da macabra monotonia,
amiúde,
ao lado
do ataúde.