CARTA AO TEMPO
Quando tiveres que passar,
leva-me os dias, mas deixa-me a esperança no amanhã.
Leva os momentos difíceis,
mas permita que eu fique com o aprendizado.
Não faz mal que tu leves os bons também:
a gratidão já é o verniz indelével da lembrança.
Leva o sentimento de desesperança,
mas conserva comigo o sentido da espera.
Leva os ponteiros,
as areias aprisionadas pelas vidraças das ampulhetas,
as folhas desbotadas do outono
e dos outros calendários.
Leva, enfim, o que de ti aprendemos a mensurar.
Mas deixa tua essência em todo átimo de sorriso com a duração do infinito,
em cada lágrima derramada na tua ausência, pois ela é o rio por onde deságua o curso da saudade,
em cada olhar perdido dentro de ti,
aguardando o regresso de quem em ti partiu.
Deixa-me algo, em versos, nos retalhos com o qual eu teço o figurino da vida,
com agulhas que ferem,
mas com linhas que suturam.
E quando for o dia de olhar pelo teu retrovisor eu possa dizer:
do teu útero eu vim,
para tua boca retornarei,
feliz, pois apesar dos teus contrários,
em ti encontrei a sabedoria de viver
e a libertação para morrer.