UM VOO PARA LIBERDADE
Estando a certa altura,
aquele homem,
com um papel em uma das mãos
e uma pena na que restou,
ensaiava jogar-se,
mergulhar de cabeça.
Muitos não compreendiam esse momento
e gritavam em polvorosa:
- "Não faça isso! Pense na vida para levar!"
Era isso o que ele mais pensava:
na vida.
Ou do que dela ficou para trás.
O tédio o absorvia de tal forma,
que o papel era a melhor testemunha do abandono.
Muitos apedeutas se perguntavam:
"Seria um bilhete de despedida?"
Eu acompanhava de perto, invisível, ciente do seu propósito.
Muitas vezes já senti semelhante impulso.
O homem parecia resoluto
no querer,
mas vacilante no fazer.
Talvez a altura não fosse o suficiente,
quiçá faltassem algumas taças de um bom vinho,
uma desilusão qualquer,
um amor proibido ...
uma paixão avassaladora.
Quando ele pareceu querer desistir,
para alegria dos incautos,
eu gritei:
- Não pare, por favor!
- Senão toda a dor terá sido em vão!
- Se projete e deixe o corpo e a alma sentirem o voo da liberdade.
Ele titubeou,
mas ainda não foi desta vez que se jogou.
Vencido pelo cansaço, adormeceu ali mesmo.
O vento se encarregou de abrir seus dedos,
resgatar o papel
e precipitá-lo ao meu encontro.
Pensei comigo:
"Por certo ele ainda não está preparado
para tal salto."
Mas ao olhar para a folha
que acreditava estar incólume,
percebi dois versos,
tímidos, é verdade,
mas banhados com a tinta dos auspícios.
O poeta estava nascendo ...
Em breve ele se lançaria com
toda a fúria para o infinito,
acompanhado unicamente
da sua poesia.
Como todos nós,
artesãos das letras,
no melhor das noites insones.