UM VOO PARA LIBERDADE

Estando a certa altura,

aquele homem,

com um papel em uma das mãos

e uma pena na que restou,

ensaiava jogar-se,

mergulhar de cabeça.

Muitos não compreendiam esse momento

e gritavam em polvorosa:

- "Não faça isso! Pense na vida para levar!"

Era isso o que ele mais pensava:

na vida.

Ou do que dela ficou para trás.

O tédio o absorvia de tal forma,

que o papel era a melhor testemunha do abandono.

Muitos apedeutas se perguntavam:

"Seria um bilhete de despedida?"

Eu acompanhava de perto, invisível, ciente do seu propósito.

Muitas vezes já senti semelhante impulso.

O homem parecia resoluto

no querer,

mas vacilante no fazer.

Talvez a altura não fosse o suficiente,

quiçá faltassem algumas taças de um bom vinho,

uma desilusão qualquer,

um amor proibido ...

uma paixão avassaladora.

Quando ele pareceu querer desistir,

para alegria dos incautos,

eu gritei:

- Não pare, por favor!

- Senão toda a dor terá sido em vão!

- Se projete e deixe o corpo e a alma sentirem o voo da liberdade.

Ele titubeou,

mas ainda não foi desta vez que se jogou.

Vencido pelo cansaço, adormeceu ali mesmo.

O vento se encarregou de abrir seus dedos,

resgatar o papel

e precipitá-lo ao meu encontro.

Pensei comigo:

"Por certo ele ainda não está preparado

para tal salto."

Mas ao olhar para a folha

que acreditava estar incólume,

percebi dois versos,

tímidos, é verdade,

mas banhados com a tinta dos auspícios.

O poeta estava nascendo ...

Em breve ele se lançaria com

toda a fúria para o infinito,

acompanhado unicamente

da sua poesia.

Como todos nós,

artesãos das letras,

no melhor das noites insones.

Leonardo do Eirado
Enviado por Leonardo do Eirado em 19/02/2021
Código do texto: T7187836
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