CORAÇÃO ESTURRICADO
"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco."
Fragmento de "Os Ombros Suportam o Mundo."
Carlos Drummond de Andrade.
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CORAÇÃO ESTURRICADO
E bebia, se embriagava
da amargura do cálice.
Se entregava a cada gota
como náufrago,
afogando-se
em doses infaustas.
E se embebia do líquido
cru, desbotado,
que caia inócuo na garganta árida.
E mesmo que engolisse o oceano,
ainda assim, não saciaria sua sede.
Já não adiantava o curso
etílico do rio ou de qualquer outra líquida corrente para as entranhas.
Dentro de si, o leito secou-se à sombra
do que não mais hidratava a sua alma.
Apenas ficou a cicatriz
na poeira invisível,
daquilo que um dia foi
destinado a ser mar,
mas que a secura do seu coração tornou
obstinado desamor.