QUESTÃO DE (O) TEMPO
No invólucro da ampulheta,
uns tardam em despachar a areia,
outros a precipitam por demais.
No ínterim da espera
são todos passageiros,
prisioneiros atrás da parede de vidro,
reféns da espessura de cada ansiedade,
querendo usurpar primazias
ou serem depostos por elas.
Se esvaem
colecionando dúvidas
em cada grão que se vai,
questionando dogmas,
corrompendo o destino,
ou seduzindo a gravidade
da areia que cai.
E quando exageram
na pátina do tempo,
perdem a percepção
do papel daquela que os liberta
e os renova numa outra ampulheta
do amanhã.
Todos passageiros,
mensageiros,
de passagem,
de postagem
do tempo que os invade e que se evade.
Carcereiros de si,
querendo na insanidade
quebrar a moldura vítrea
para depois, na mesma loucura,
remendá-la
com o sumo dos arrependimentos.
Mal sabem que em seus poros
a ampulheta já há muito
se consome
na areia movediça
do tempo que se desperdiçou.