Tempo subversivo
ELE impediu
a gente de dançar em público, de tossir, de cantar, de abraçar os irmãos,
de recitar poemas, de beijar o parente, de lamber a cria, de acariciar o idoso.
ELE impediu
a gente de andar nas ruas, nos parques, nos jardins, pular nos rios, ir ao teatro,
atravessar oceanos, pular fronteiras, compartilhar um bom papo, um cigarro.
ELE impediu
as olimpíadas em Tóquio, campeonato brasileiro, shows internacionais, fábricas
e multinacionais a servirem o entretenimento hostil à humanidade.
ELE impediu
o palhaço de sorrir, e o pastor de enriquecer pedindo esmola, e obrigou
a gente a lavar as mãos feito Pôncio Pilatos, e a caminhar no deserto feito Jesus Cristo,
ELE obrigou
a gente a tirar a máscara do egocentrismo, e pôr a máscara da compaixão, as
luvas da gentileza, e esfregar com bastante espuma de amor as dores alheias.
ELE segurou
a mão da morte e andou varrendo as ruas dos continentes,
transformando-se num bioterrorista a devastar o planeta.
O começo do ano foi o fim da vida de muita gente velha
debilitada e com doenças crônicas.
Ele invadiu
o âmago da gente sem pedir licença e matou assim como um país desgovernado
mata seus contribuintes sem aviso prévio nem piedade.
Depois que ELE se for,
só nos restará o caos, chorar os mortos sem rostos, os dias sem emprego, as horas de fome, e ter fôlego para recomeçar um ano que não terá fim tão cedo.
aBel gOnçalves