Nós, o muro e o abismo
“Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim –
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser – muro
Do meu deserto jardim.”
Fernando Pessoa
O muro esconde, sem ter que esconder,
o muro, que seu outro lado não vê.
Eu, minha própria nuca não posso ver,
não vê a sua própria nuca você.
E há uma questão que a nós intriga,
a nós, que pensávamos tudo saber,
vemos nosso umbigo em nossa barriga,
e nem isso o cego do muro pode ver.
Mas o muro não vê por não deter opção,
não sabe se do outro lado há um abismo,
e nós, que temos uma alma e um coração,
só vemos o que nos permite o egoísmo.
Talvez eu devesse ser simplesmente muro,
talvez muro somente você deveria ser,
pois que podemos ver, e só vemos o escuro
do abismo, que detrás do muro nos pode ver.
Alzx© Alexandre J de A Gomes
Manhuaçu, 12 de junho de 2019