DÚVIDA

Ah! Se eu pudesse tornar imóvel o tempo,

cegar-me a seus furtivos passos,

não lhe dar ouvidos e deixar de contar

os segundos pelas furiosas pancadas do coração.

No tempo incerto, perscruto os ponteiros incólumes

seguirem enlaçados dentro da noite.

Certos estão de fruírem do reencontro programado

e depois recomeçarem a caminhada lerda e continuada,

tendo os corpos e os espíritos leves como amásios satisfeitos.

Na obstinação de esquadrinhar-lhes

os passos andarilhos abro guarda

para a infâmia odiosa da dúvida.

No hábito dos bares entre os fumos

dos cachimbos adormecidos,

os cálices não adormentam a memória excitada.

Entre o nevoeiro da embriagues,

persigo sombras da mulher que penso se exigir

no abraço de seu amante.

Serpentes entrelaçadas, se entrelaçando...

No leito vazo da mente o desassossego

desenrola-se sem espanejar do espírito

o pensamento: sucumbira ela e seguira vagarosamente

o pérfido olhar do comparte

e nessa hora se enrodilham como no relógio

se desventram os ponteiros?

Fora de mim, tombado, esquecido na taberna entrego-me

ao desespero, à dúvida, à suspeita

de que ela possa dissimular, trair, mentir,

despir as vestes da honestidade

como possivelmente desnuda-se para o amante...

Ah! Como desejo tornar imóvel o tempo

e vê-la chegar na hora certa do jantar!