Confluências

Para Maria das Dores Fernandes e Simone Kormanski

Não há necessidade de passadas longas;

O importante é não ficarmos parados.

Terceiro Filho, Geni Guimarães

Apesar do cansaço

decepções escorregões fadigas

muros pedras pregos

quedas rasteiras tiroteios

nos cenários da palavra

o poema carece como numa prece

reacender inspirações para prosseguir

Seja no passo a passo preto véio

no compasso dança brother soul

na lentidade lesma tartaruga

seja tremulante sinuosa oscilante

uma fé precisa velar o poema

para ele chegar a um porto

se ela se apagar

o poeta se apagará

e pelo céu vagará

igual balão apagado

igual guerreiro rendido sem luta

O poema

Contempla lagos, mares, rios

olha para o sol e para a lua

olha para a fauna e para a flora

olha para as estrelas e para as artes

olhas para as crianças

olha para os fracassados

olha para os rejeitados

olha para suas dores

olha para os seus amores

olha para os seus temores

em tantas terras maltratadas

O peso da bota sobre os poetas é grande

faróis são malditos onde imperam escuridões

os queijos dos ratos não podem findar

porém o poema não se resigna

evoca afetos, deuses, mestres, musas, orixás

olha-se no espelho da canção

e se vê como “um moço velho”

e se vê como “um velho moço”

o poema vê a si e aos seus

feito Ogum empunhando espada

feito Xangô empunhando machado

feito Oxossi empunhando ofá

embalados por cânticos de Nanã, Oxum e Yemanjá

energizados por cânticos semânticos de todas yabás

do ventre delas vem todo o alimento do universo

O poema abraça “os três erres”

e os outros dois aliados parceiros

para traçar novos hábitos

e reinventar o poeta e seus mundos

nos ambientes caminhos trilhas do versejar

em todo lugar a poesia é fio de contas

é conto contado cavando cotas onde a noite não conta

Em todo lugar a poesia

é saia vermelha rodante de Oyá

é pano branco de Oxalá

é riso risonho de erê

é beijo dengostoso de amada cheirosa

é novelo vida em estado latente

com muito ainda a desfiar

no tempo que a existência resistência resiliência permitir

Oubí Inaê Kibuko, Cidade Tiradentes, julho/2018.