Versejar
Versejar
Vamos ver se já o coração pulsa
Para além das palavras estanques
De todas as veias, todos os sangues
Algo maior que, do corpo, o expulsa
A transbordar o papel com lágrimas
Sem paixões, compaixões e lástimas
Salgadas de um adeus
Doces de um reencontro com os seus.
Vamos ver se já adocica a realidade
Com o diabetes do amor,
Açucareiro da saudade,
No seu primeiro alvor
E na derrubada veloz do muro
Se buscar na comissura do passado
Um sonho, voando para o futuro
Nas asas de um cavalo alado
Vamos ver se já a alma resplandece
E brilha, ofuscando as estrelas
E se assim lhe parece
Acendendo centelhas
Roubar a lua
Para deixá-la ainda mais nua
No frêmito da rua
Nos olhares por sobre as telhas
Vamos ver se já, fotografa, o olhar
Tudo que é feio ou belo
É possível, nas lentes, registrar
Na noite, madrugada, no raiar do dia
Um soneto ou um libelo
Em todos os ângulos,
No equilíbrio dos funâmbulos
Nos cantos e encantos da poesia.
Na rima, no verso,
No côncavo, no convexo
No certo e no inverso
Na chuva do inverno
Um sentimento sai do plexo
Para, na mortalidade, se fazer eterno.
Vamos ver se já a boca saliva, aflita
No centro e no entorno
A volúpia do retorno
De uma partida
E beija, beija um beijo fagueiro
Louco desse jeito
Que se conjuga de prazer, por inteiro
Na gramática da paixão é predicado e sujeito
Vamos ver se já a língua anseia trocar fluídos
E o corpo deseja abafar ruídos,
Pois o amor que se ama no silenciar,
Arremata e arrebata
E já se basta
Quando já não há mais o que falar.
Vamos ver se já tudo é possível
Emergente, urgente, candente
Que se mostra aparente
Escondedouro do invisível
Vamos ver se já, rápido
Vamos ver se já, logo
Sem monólogo
De imediato
Vamos ver se já, no agora
Nesta exata e instantânea hora
Vamos ver se já
Vamos, pois, versejar.
© Leonardo do Eirado Silva Gonçalves
20 de maio de 2018