O escafandro afogado
No tempo do azáfama
Época de infância
Bem ali na esquina onde
Vivia eu presente
Lambendo futuro.
Minha mãe tinha uma velha máquina
De coser retalhos e um anzol.
Dona de um talento incrível
Dona Neuza
Dona da arte na sobrevivência.
Meu padrasto uma formiga operária,
Acostumado a mesmice do interior.
Minha merenda
Quando pipocava a tarde
No horizonte —,
Açúcar leite farinha pra acalmar
A barriga vazia.
Atrás das casas,
O rio
Doce
Vazava esperança.
Acontecia
Encantamento ao meio dia
Quando jogavam as desovas dos porcos
Na água parada do rio,
As tilápias, os bagres, as manjubas
Alvoroçavam-se em saltos ornamentais.
Porcos gatos cachorros urubus gente
Meninos vermes
Larvas dividiam o pouco espaço
Em busca da sobrevivência.
Trazia sempre enfiado em um espeto de cipó
Os peixes que conseguia
Para alimentar os irmãos mais moços.
Um caminhão passou levando a mim e a todos
Os meus contemporâneos.
No para-lama estava escrito:
TEMPO
Devorador de reminiscências.
Voltei ao rio, disseram-me que aquilo já era futuro.
Casa rua prefeitura hospital
Escola pessoas ruídas por ferrugem
Por uma espécie de sanguessuga.
Procurei minha infância no trago
Dum cigarro.
Não havia mais amigos!
Haviam lápides em cada esquina que cruzava.
Havia um silêncio e dor
Envolto a pessoas afogadas em um riso seco
Sobre um canto monótono.
Uma pedra atirei ao rio,
A pedra boiou sobre as baronesas que ruminavam
O futuro em meu semblante fracassado.
aBel gOnçalves