Tarde suja

Tarde suja

Sempre olhar

A surpresa de um instante

Sobre a face crua

De mil décadas fracassadas.

Sempre vir

O delírio da novidade

Estampada entre homens e ratos.

Sempre

Tropeçar em semblantes

Soturnos

Sobre a sombra tosca

Do apocalipse instantâneo.

Sempre olhar o esplendor

Do umbigo de um inseto,

E a magnitude sem razão

De um inseticida.

Sempre o descarte de um

Cachorro velho

Pelo tiro letal

Da insignificância.

Sempre

Como se fosse inédito

É que se visita o novo dia.

Vir em retalhos

Manhãs límpidas,

O câncer a ruir

A tarde surda.

Sempre

Fora a vida, surpresa ab(surda)

Com projetos e sombras

No teatro da ressurreição.

Sempre, fora a morte fiel

Mesmo num feriado,

Num belo dia de garagem nova,

Churrasqueira em valsa,

A corda bamba

E o azougue do dia

A naufragar.

Sempre

Um floreio reticente,

Vozes gorjeando

A de hidrogênio_

Pronta a matar.

Sempre urgi

Montada numa bactéria,

A insana vida.

Baratas são olhos da morte

A visitar-nos na tarde suja,

A roer a cútis incandescente,

Lembrando para onde vamos

Quando se pôr o sol iconoclasta.

aBel gOnçalves