INÚTIL CALENDÁRIO
No bolso furado
de minhas calças rotas
o tempo do mundo
esvai-se
como se fosse
fumaça
de cidade incendiada
em dia límpido
e inexistente. . .
Na parede
repetem-se calendários
embolorados
inúteis
datas que nada dizem
quando nos olhamos
ao espelho
e não nos vemos velhos
apesar das rugas
mais moços do que antes
em tempos de calças curtas
e vestidos de chita
felizes
e mal cortados
brincadeiras arriscadas
noites encaloradas
pelo verão que não mais retorna. . .
Desejo sair a correr
mas o joelho carcomido
não mais me permite
apesar da deslavada mentira
refletida no espelho
apesar de ainda sonhar
carícias impossíveis
e beijos nunca lambidos
com gosto de bala de hortelã
atrás do muro sisudo
de uma igreja
anterior às minhas lembranças. . .
Só queria de volta
os caminhos passados
pisados em tamancos gastos
sem cansaços
cheios de desconhecimentos
acerca dos horizontes
para além da curva temida
que antes se hospedava no infinito
mas que custou um nada nada
a me encontrar
como quem cai da cama
quando sonhava voar. . .
Assim escrevendo
lembro invejoso
da Tabacaria
do Esteves sem metafísica
noite sem sono
ano me acena pelas costas
ameaças de janeiro
e suas duas caras
um nada
que nem sei se existe
mas que me engolfa
e quase me afoga
palavras que se amontoam
recusando-se ao poema
pecado escondido
com as manguinhas de fora
debaixo de um invisível cesto de vime
insistindo insolente
em se fazer tentação. . .
Para fugir de tudo
dormirei
ou melhor
voltarei a dormir
ordens expressas
a mim mesmo
de nunca mais sonhar
a não ser que seja mentira
a não ser que seja contigo. . .
- por Hans Gustav Gaus, Corsário Batavo, feito Almirante pela Cia. das Índias Ocidentais, depois de ler o poema “Tabacaria” de Fernando Pessoa, em uma taberna nada suspeita do Porto Amsterdan, iniciado em 28/12/2015 e concluído em 12/12/2017 -