RETROSPECTIVA POÉTICA 1997

ano enredado

ávidos parasitas

sugaram meu sangue

serviram-se das minhas vísceras

para saciar fomes banais

ano tumultuado

o racismo recrutou soldados

frágeis mentalidades marginalizadas

para apunhalarem-me com lâminas fratricidas

ano atormentado

trajando purpurinas

fantasmas apavoraram meu coração

com desafetos sinistros

ano torturado

o açoite do desespero babando satisfação

chicoteou a dignidade

num pelourinho de angústias

ano alvoroçado

vi meu ser debatendo-se aflito

esgueirando-se de atritos

para não sucumbir em conflitos letais

ano enlutado

seres preciosos subiram pro Aiyê

mano Oswaldo, Soraia do Babalotim, primo Nenê

ano cultivado

no solo da emoção

sementes poéticas

lavraram sentimentos marcantes

brotaram consciências verdejantes

ano abençoado

Olorum assentou meu ori

num aconchego odara

para avivar meu axé

ano iluminado

coração vislumbrando azul-paraíso

os nós da solidão se desataram

para a noite fazer festa

em dois apagados sorrisos

ano encantado

a palavra canta

a palavra dança

a palavra luta

a palavra reencontra sua fé

ano assentado

evocando a chama dessa amada poesia

que me trouxe um alguidar

cheio de vida, inspiração, quilombeleza e cafuné

Oubí Inaê Kibuko. Publicado nas antologias "Arte na Cohab" e "Cadernos Negros".