QUALQUER UM DE NÓS
Se assalto há na praça
Fecham a praça.
Se a música imoral,
Proíbem o funk.
Se o carro se rebaixa
Anulam a gravidade.
Se o macho é invasivo
Maldizem as saias.
Se relógio aponta o fim
Hora anulada.
Se a derrota não machuca
Publicam autoajuda.
Se a televisão não convence
Fantasiam as notícias.
Se a noite empalidece
Decretam eclipse.
Se a greve paralisa
Reclamam do sofá.
Se lá fora o busão é bom
Detonamos os daqui.
Se hospital não sara
Acusamos o SUS.
Se justiça é a mão dos mesmos
Descontamos na lei.
Se o preço é injusto
Derramamos no imposto.
Se o time não vai bem
Matamos o adversário.
Se o guri quer ter bonecas
Invocam o arcaico.
Se a menina quer carrinho
Invocam o arcaico.
Se o marido quer escapar
Aplaudimos sossegados.
Se a esposa quer desquitar
Invocam o arcaico.
Se a velocidade mata
Encarecem o combustível.
Se o povo quer poder
Convocam os tanques.
Se a fome se esgoela
Culpamos a boca.
Se não...
há classe nos gestos
há gestos nos versos
há versos nas coisas
É porque nos contrariamos
Tanto.
E se, no entanto,
Alguém se ergue em acordo
É porque pertence à outra
Gente.
Quem é tanto brasileiro
Como nós
Sabe
Que
Prosseguir
É desviar o ar
Da bala
Perdida
Ou seria bala achada?
Brasileiro
Como nós
Quem quer ser,
Sabe,
Que é preciso
Ignorar a realidade
Aprender por mera
Intuição.
E lamentar
Profundamente
Não ter vindo
Feito um filho
De outro
Mundo.
Sabe aquele sujeito
Arcaico
Que se imagina moderno
Eterno
E a tudo que se
Apresente
Diferente
Deseja enviar
Pro inferno?
Então...