DESONESTIDADE

Amar

Já amei

E amor inteiro só tive uma

O nome dela eu não digo!

É que trago da infância

A fantasia

Como ônus

Da verdade.

Sonhar

Já sonhei

Os homens estavam alados

Ninguém se reconhecia

Refiro-me à velhice

Como a vitória

Da biologia

Sobre o tempo.

Andar

Já andei

E cada passo é um vão solícito

Traz um futuro urgente.

Mal sabe: a gente

Andar é tão somente

Empurrar

O chão pra trás.

Despertar?

– se já acordei!

Hoje o presente me espera

A regra é mostrar o que eu sei.

A lira dos anos 20

O verso que Casimiro não leu,

Marília não é de Dirceu a princesa

Tristeza é poesia na mesa.

Recitar

Eu não recitei

Versar pode ser gesto esnobe

Nas mãos do barão sem nobreza.

Rimar pode ser verso à toa

Masmorra onde o rei se escondeu.

O ponto final da poesia

É uma respiração, uma página ou o muro.

Chorar

Já chorei

Falei do rio que corria e ofereci

Lágrimas para que um mar se tornasse.

Salgar o rio não salguei,

Mas ele resolveu-se oceano

Era tanta vontade na água doce

Que transbordar foi destino.

Ficar já fiquei

Como fico aqui agora, bom dia!

Envelhecido em carvalho

Intragável e doloso.

Tratar já tratei

Fantasia à parte: criança que nunca encontrei:

– explicar a verdade com honestidade

É o que ainda eu não sei.