DESGASTE
Respiram ôfegos os dizeres.
As palavras apertam, reclamam,
pedem o recosturar,
o bordado cheio ou de ponto atrás.
As palavras, silenciando,
deixam-nos nus no campo semântico,
aberto à luz do meio do dia.
Mas chega a noite
com a coberta macia agasalhando tudo:
nada a solidão, uiva o conviver.
E tudo está dito nos olhos quase fechando:
em sonhos inflados de medo,
as p a l a v r a s recuam ante a tela.
ameaçadora e bela.
E, por o sono ser mentira,
na fuga do horror do dia,
tudo (e tudo) se confirma.
Em palavras ditas tudo,
tudo se refaz e se reanima
A faca bruta do dizer
recorta o sonho em discretos retalhos,
perfura o coração do entender e,
rindo,
ulula na voz nula.