DESGASTE

Respiram ôfegos os dizeres.

As palavras apertam, reclamam,

pedem o recosturar,

o bordado cheio ou de ponto atrás.

As palavras, silenciando,

deixam-nos nus no campo semântico,

aberto à luz do meio do dia.

Mas chega a noite

com a coberta macia agasalhando tudo:

nada a solidão, uiva o conviver.

E tudo está dito nos olhos quase fechando:

em sonhos inflados de medo,

as p a l a v r a s recuam ante a tela.

ameaçadora e bela.

E, por o sono ser mentira,

na fuga do horror do dia,

tudo (e tudo) se confirma.

Em palavras ditas tudo,

tudo se refaz e se reanima

A faca bruta do dizer

recorta o sonho em discretos retalhos,

perfura o coração do entender e,

rindo,

ulula na voz nula.

Helena Helena
Enviado por Helena Helena em 02/06/2017
Reeditado em 24/08/2017
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