Poesicídio
“...Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre
perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é
olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela iluminado...”
Antônio Cícero, Guardar.
Se o pássaro está preso na gaiola,
o pássaro não pode voar,
se o pássaro não pode voar,
o pássaro não é mais pássaro,
não tem pássaro na gaiola,
a gaiola está vazia.
Se o verso está preso na mente,
o verso não pode encantar,
se o verso não pode encantar,
o verso não é mais verso,
não existe verso na mente,
a mente está vazia.
Se o pássaro está preso na gaiola,
o pássaro pode cantar,
mas o canto do pássaro na gaiola,
não é canto, é lamento.
Se o verso está preso na mente,
o verso está preso ao pensar,
mas o pensar do verso na mente,
fá-lo mero pensamento.
Se o pássaro está preso na gaiola,
a canção do pássaro é sombria,
se o verso está preso na mente,
o cativeiro assassina a poesia.
Inverno de 2016