O Grande Dagoberto, Imperador Perene do Reino Alto Central

I – O Segredo

Aquele desmerecimento a descoberto
que sempre soubera toda gente, e ria,
estava agora bem profundamente imerso,
por alguns pequenos arranjos encoberto,
e por enquanto ninguém nada mais sabia.

Assim seguia, matutando, Dagoberto,
tentando matar a angústia co’alguma alegria,
buscando achar em sua rude verve, um verso,
um único verso capaz de trazer o riso pra perto,
um verso que não carregado de dor e agonia...

Queria um verso, Dagoberto –  só um verso! –
que acendesse a luz da lua na noite sombria,
que cuspisse galáxias pelos véus do céu aberto,
que fosforescesse e estremecesse seu universo,
que vertesse cor em sua existência, vã e fria...

Foi-se, pra sempre e nunca mais, por certo,
Dagoberto, poeta que não conheceu poesia,
procurando ainda aquele verso controverso,
que imaginava mui transbordante d’alegoria
que buscava a cada dia nos chãos do deserto,
sob o qual o segredo funesto ainda jazia...

II – O Deslumbre

Eis que chega ao Reino Alto Central, Dagoberto.
E como é grande! Como é belo! Impressionante!
A luz irradia na claridade – ofuscante! –
dum céu grandemente azul e de nuvens gigantes...
Completamente encantado, Dagoberto!

Respira os ares novadores do Reino Alto,
uma grandiosa sensação de liberdade,
um sentimento jubiloso –  alacridade! –
um crescente arrebatador de felicidade...
Oh! Dagoberto! Oh! Coração incauto!

Olha pra tudo e quase nada o surpreende,
tudo o espanta – e tudo, é já tão antigo! –
é tudo tão novo e tudo já tão conhecido,
um solo estranho e ainda assim amigo...
A ambição do chão para o céu se estende!

Gira o turbilhão das ânsias de Dagoberto,
que por agora procura bem mais que um verso,
há muito se foram aqueles dias de seu interesse
pelo verso que por sua angústia intercedesse;
angariou em altíssimo plano um valor reverso.

III – A Ambição

“Serei senhor de Alto Central!” Gritou Dagoberto.
Gritou bem forte e muito alto, pra toda a gente,
não mais guardava receio de ser o inconveniente,
não tinha sequer um segredo sabido publicamente,
estava agora em seu lugar, o sucesso era certo!

E foi conhecer as maravilhas do Reino Alto,
os monumentos gigantescos, muitíssimo altos,
palácios ocultos pelas brumas encantadas,
e diretamente de ‘Avalon’ importadas;
e as malhas impressionantes de asfalto!

O avião que nunca decola e nunca pousa,
os floresceres d’oásis no seio do deserto,
as avenidas qual geometria numa lousa,
o calor frequente e o resfriar incerto
que ao colo do vasto planalto repousa.

Depois começou a desenhar suas metas,
seus planos, seus métodos e suas vias,
o seu projeto de conquista do Reino Alto,
carecia arranjar recursos num assalto,
quase nada constava de suas economias.

IV – A Trama
 
Vieram-lhe as maquinações faraônicas:
render os Guardiões das Cuias Antagônicas,
talvez derrubar por terra as Torres Iguais,
fazer ruir o Paço d’Arraias Monumentais,
passar a Justiça, cega e caduca, pra trás,
tomar para si as instalações babilônicas.

Depois respirar, e organizar a fiel armada,
a sua cúpula intocável –  a Legião Dourada! –
e o exército de ouro do Imperador Dagoberto,
o mais bem formado e bem sucedido exército,
pondo termo a qualquer ação desautorizada,
extinguindo o menor perigo que chegue perto.

Reuniu bom dinheiro sobrevivendo de bico,
nas festinhas era o Palhaço Tico-Tico,
nas esquinas, o habilidoso malabarista,
nos motéis, o amante com pinta de artista,
na Praça Candanga era o exímio repentista,
e quando os homens da lei baixavam a vista
lá em Satelínea, era o traficante Mister Pico.

E sem demora começou um recrutamento,
estava achando aquele processo muito lento,
tinha pressa em ganhar o mundo, o Dagoberto;
engajou uma molecada da malandragem,
há muito vinha acumulando vigor e coragem,
para promover o seu primeiro movimento.

V – A Ira

“A sorte está lançada” – anunciou Dagoberto.
“Dagoberto, O Grande! O Imperador Sinistro!”
Arraigada em sua mente esse registro
da sua quase insanidade, que só não o era
pela falta completa, e evidentemente pura,
da vontade pela derrota, da tal loucura.

Começou a treinar os moleques na capoeira,
por dias, por noites e madrugadas inteiras,
simulações de lutas armadas e assaltos,
sempre encobertos pelas nuvens de poeira
das estradas muito distantes do asfalto,
escondidos pelos quintais, nas bananeiras.

E seguiu, a formar então o seu arsenal,
foi ao Feirão de Satelínea ter com Natal,
certeza de armas muito boas e baratas;
as armas brancas escondeu pelo quintal,
entre a folhagem, nas ramas do batatal,
e as armas pesadas ele malocou pelas matas.

Não tardaria o dia fatal do grande assalto,
já tinha tudo programado para o combate
e não possuía medo nenhum de embate.
“Urubus que se pensam senhores do Reino Alto,
tremei, fugi, escondei-vos, doutores,
pois serão insuportáveis as suas dores!”

VI – A Conquista

Uma semana antes da festa profana,
as filas das carruagens de bacana,
já se evadiam em direção ao litoral,
deixando desértica e erma a Capital.
O silêncio sorumbático prenunciando
a tragédia horrenda do Sangrento Carnaval...

Nos palácios sobraram apenas os vigias,
desertas e abandonadas todas as vias,
escancarado o acesso ao núcleo do poder;
e Dagoberto pensou: “Chegou o dia!”
Naquele momento imaginou que já podia
a sua sanha revoltosa empreender.

Reuniu no matagal a Legião Dourada,
estendeu longa vigília pela madrugada,
a molecada instigada, na concentração;
e antes do romper das luzes d'alvorada,
ainda os resquícios da noite nas calçadas,
ouviu Planáltica o primeiro rugir do canhão!

E um a um foram os palacetes tombando,
pés de capoeira e facões zunindo, gritos de dor,
os Dragões d’Aurora, surpreendidos, se entregando,
depondo as armas aos pés do famigerado bandido,
que enfim pela glória da guerra seria redimido,
para ser coroado Dagoberto, O Imperador!

VII – A Coroação

Antes das sete, toda a Planáltica tomada,
nenhum palácio a ser invadido inda restava,
iria começar a sagração do Grande Dagoberto;
mas s’ergueu na Rampa d’Arraia a voz alarmada,
já a Brigada do Exército Auriverde se aproximava,
pra reprimir e frustrar o sonho do insano perverto.

O Paço d’Arraias foi completamente fechado,
cada mínimo vão foi bloqueado e fiscalizado,
com o aço do ódio ergueu a sólida fortaleza;
muito em breve e ele poderia estar cercado,
era mais que hora de ser finalmente coroado,
abrigar-se nos direitos sagrados da Realeza.

Assim se deu, e seus dois Generais de Guerra,
dois caboclos vindos lá das grotas do Basalto,
sagraram "Dagoberto, o Imperador do Planalto
e do Reino Alto Central, o Senhor da Planáltica,
da Satelínea e de toda a Grande Amada Terra,
e dos Territórios Continentais do Reino Alto".

VIII – A Batalha

Veio tardiamente a ação do Exército Auriverde,
quando abordou já fora o Imperador entronado,
o Sistema Real de Segurança então subjugado;
a Legião Dourada descarregou sua velha sede,
há infinitas décadas em suas goelas engasgada,
banhando de sangue todo o Largo d’Alvorada!

A Legião Dourada era molecada de corpo fechado,
que aprendeu a usar a proteção do corpo blindado,
nos dias árduos e intermináveis de treinamento;
que seu Amado Imperador muito lhes forçou,
e graças a Ele, O Imperador, que lhes ensinou
todas as ciências das lutas e do enfrentamento.

A Brigada do Exército Auriverde tombou, mui vermelha,
engolfada no próprio sangue, nas ruelas velhas,
da velha Planáltica, bela ainda – e ainda tão nova!
E o primeiro ato do Imperador do Reino Alto,
foi subir ao Parlatório, o Coração do Planalto,
para saudar o povo e anunciar sua boa nova.

E discursou brilhantemente, o Imperador,
e afastou a imagem surrada de usurpador,
e desfiou os rosários do velho chavão, limpo e novo!
Jurou ao Reino Alto Central – “Lealdade e Amor!”
desenhou com vidrilhos os novos tempos de esplendor,
e ascendeu aclamado no brado imbatível do povo!

IX -  O Golpe

O Exército Auriverde a partir daí se subjugou,
aos serviços do Grande Dagoberto se entregou,
a farda verde ficou maculada e foi abolida;
o Exército Auriverde era agora o Exército Vermelho,
com a face irada do ressentimento muito velho,
adotada a cor no sangue d’A Batalha, inda dorida.

E bem na frente do Memorial do Construtor,
aos pés da Grande Bandeira, agora Imperial,
foi que o Imperial Exército Vermelho se perfilou,
para consagrar sua obediência ao Imperador,
o Grande Dagoberto, o Imperador do Alto Central!
E foi nesse momento que sua trama se consolidou...

E o Imperador começou a tocar o seu Tempo Novo,
mandou distribuir alguns benefícios para o povo,
com entranhas políticas escondidas na face bela;
e começou a pregar que pra todos tudo seria,
que o antigo Reino Alto Central não mais existia
que a Terra Amada era agora o Império da Estrela!

X – A Sucessão

E por oito longas eras reinou o Imperador,
o Grande Dagoberto de Planáltica, o Nobre,
que a despeito de sua origem rude e pobre,
soube ludibriar ambos os tolos e incautos lados;
um povo ingênuo refém de mandantes relaxados,
imersos num misto de lamaçal e esplendor.

Fora até mais fácil do que havia imaginado,
mas – ora! – o Imperador, andava cansado;
foi surpreendido por cruel e veloz malefício...
Terrível mal, oriundo de seus diversos vícios,
acometeu o Grande Imperador Dagoberto,
que começou a orquestrar, ao tempo certo,
a sucessão do Império ao seu mais fiel soldado.

Por longas viagens foi a meditar, o Imperador,
para se preparar e para pensar sobre seu sucessor,
e a resposta exata sempre lhe fugia por um triz...
E foi num Teatro de Dançarinas na Mongólia,
que o Imperador encontrou a chave pra sua história:
"O Império da Estrela ficaria nas mãos da Imperatriz!"

Seria Imperatriz aquela Rainha da Terra Amada
e dos Territórios Continentais do reino antigo,
o Imperador sempre fora um seu grande amigo,
desde os tempos da Grande Revolução Armada,
que verteu rios de sangue no Largo d’Alvorada.
“Manteria o Império da Estrela em seguro abrigo.”

XI – O Erro

E foi assim que na nona era do Império da Estrela,
no Paço d’Arraias foi coroada 'Diuluisia, a Fera',
com todas as pompas Imperiais do Exército Vermelho;
o povo apoiava a escolha do Grande Imperador,
e ainda acreditava que o antigo e maior opressor,
havia acabado junto ao banido espírito velho.

Não era hábil qual o Imperador a Imperatriz,
o povo já andava a queixar-se, assaz infeliz,
e até a vaiar a Imperatriz pelos Festivais;
a burra do coletor cada vez mais pesada,
e a Imperatriz não conseguia ser amada,
qual o Imperador daquelas eras ancestrais.

O Império foi definhando, muito descuidado.
Tudo parecia fluídico... bambo e relaxado;
Diuluisia, a Fera, não fizera jus ao nome,
e o povo foi se cansando, revoltado,
chegou-se ao ápice do abuso do pecado:
Deixar crianças dos educandários com fome!

Não tardou o povo a manifestar seu cansaço,
extenuado de tanto abuso e tanto esculacho,
ajunta-se e clama, pelas ruas –  indignado!
E o Império da Estrela ingressou em dias sombrios,
forças opostas se aproveitaram desse cenário,
e se levantaram contra o poder mandatário!

XII – A Sublevação

E foram dias de gritas cheias e balbúrdias,
foram muitas as declarações mais absurdas,
acaloradas no jogo sórdido dos poderosos;
era grande a movimentação nas Torres Iguais,
as Cuias Antagônicas, desde tempos imemoriais,
não viam tamanha ganância n’olhar dos vaidosos.

Os lautos doutos do Império, convencidos,
que os brios da Imperatriz já andavam perdidos,
exigiram, à cega caduca, o seu impedimento,
e o Imperador retornou então – alarmado! –
mas mesmo ele já andava sendo investigado,
pela cega caduca, com ares de parlamento.

Dagoberto, o Grande Imperador, andou pelas ruas
a esbravejar e jurar vingança em voz alta e nua,
ameaçando botar fogo em toda a Terra Amada;
jurou que o Império da Estrela jamais morreria,
que o Imperial Exército Vermelho nunca sucumbiria
aos golpes da elite e à desordem anunciada...

Mas todos os planos que traçou com a Imperatriz
não decolaram, e desaguaram em desfecho infeliz,
não conseguiu pôr o trono a salvo dos usurpadores;
e naqueles dias todo o seu corpo suava e tremia,
e a sua alma, desconsolada, pelos cantos gemia,
temendo um futuro muito incerto e de dissabores.

XIII – A Queda

Treze eras durou o Império da Estrela... e ruiu...
Sua estrutura inteira emperrou e sucumbiu,
foi-se a aventura palaciana, qual quimera...
Mas não se engane aquele que pensa, aliviado,
que o Imperador quedou juntamente, abnegado;
está recolhido, amargando as angústias da espera:

“Urubus! Jamais conseguirão colocar no trilho,
o imenso piano que já perdeu som e estribilho,
e a Terra Amada continuará a chafurdar na lama...
Chegará o dia, então, do triunfal e brilhante retorno
do Grande Dagoberto, o Imperador Perene do Alto,
o Reino Central que dormita há eras no Grande Planalto.”

É esse o sonho gritante do Imperador deposto,
que diferente do antigo sonho não guarda segredo,
não há motivos nesse sonhar para pô-lo em degredo.
“Hei de voltar! Hei de retomar meu trono e meu posto!
 Não hei de perecer e definhar pra sempre numa cela,
 hei de refazer as bases do Grande Império da Estrela!”

E enquanto sonha e planeja, o monarca destronado,
sob as areias dum deserto distante jaz, enterrado,
o segredo do poeta suicidado, O Imperador;
entre mapas e ossos, num antigo medalhão dourado,
um nome estranhamente familiar repousa gravado,
a alcunha sombria e arrepiante dum velho tutor...

...letras tortas e feias rabiscam: ‘Gal. Golber y Cosil’;
segredos e medos, culpas e pecados, pra sempre enterrados,
nas areias quentes dum deserto ao nordeste, no Brasil...
                         
Alzx© Alexandre J de A Gomes
Manhuaçu, MG, 16 de maio/2016
Aleki Zalex
Enviado por Aleki Zalex em 17/05/2016
Reeditado em 29/05/2018
Código do texto: T5637900
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