FALE COM ELA
Fale com ela.
Mantenha-a viva.
Desvista a toga,
Deponha o martelo, abandone a bancada
E fale com ela.
Ela só quer tatear os sons,
os desenhos de suas palavras.
Palavras que descem e sobem as montanhas
Que não existem na paisagem dela.
Palavras que acendem o sol,
desviam os rios para seus pés,
arrancam do solo as flores em cores.
Fale com ela.
Maço de palavras bem enlaçadas
Enfeitam seus vasos atrapalhados.
Palavras em brilho, palavras pesadas,
Palavrões e palavrinhas,
A língua dos santos e a dos pecadores,
Dos bruxos e dos celerados.
Deposite nas folhas brancas
Que vestem o corpo dela
As letras embaralhadas,
Enigmas de escuras línguas
De povos já enterrados.
Nelas, o branco leitoso, em
passe de opaca magia,
trará palavras-minério
brilhando à luz do dia.
Só isso, faça mais nada,
Escreva a litania...
Que o efeito encantatório
A fará anoitecer,
E de novo adormecer.
Por isso e por apenas isso,
fale com ela.