Cordeiros no altar

O que há de divino e maravilhoso

nessa divina comédia humana

está no sofrimento rouco de belchior.

Porque quanto mais fantasioso,

mais continua acesa a chama

de que há sempre um futuro melhor.

Ponho-me a pensar no futuro

e meu presente já vai passado

e se não me serve, insisto a vesti-lo.

Se vejo um caminho árduo, perduro;

Se esmureço, ponho aperriado

em estrada qualquer sem destino.

Tenho isso de retirante anônimo

sem um tostão furado nos bolsos

e a barriga cheia de muitos sonhos,

enquanto minha mente de boêmio

transforma em pó o futuro de outros,

ponho-os no quadro de atos medonhos.

Porque de divino e maravilhoso

tenho essa mentira humana secular

de que Deus a tudo enxerga

e está mesmo lá no céu, cioso

como pai ou mãe a nos embalar

e por nós até um filho se entrega.

Não somos como cordeiros no altar,

somos mortos em becos escuros;

morremos em bolsos sujos e fundos

como se fôssemos pragas a se extirpar,

porque somos moedas no jogo duro;

somos a praga que limpa seu mundo!