INSANA LUCIDEZ
Quero que todos me chamem de louca,
e desvairada e doidivanas e demente!
Se só na anormalidade o mundo é clemente,
que me agasalhem numa camisa de força.
E que me tolham a liberdade dos sentidos,
sufocando-os com negra venda e mordaça,
no ritual que de piedade se disfarça,
para dopar a rebeldia dos vencidos.
Depois de promovida à "pobre desajustada"
e despejada na calçada como paciente terminal,
hei de desdenhar da mediocridade do "normal"
que se faz peça por vis interesses manietada.
É deveras cômodo aceitar a injustiça
se ela é generosa a quem se faz cego,
adestrando o egoísmo de cada ego
na certeza de que a caridade é postiça.
Agora já posso lançar ao ar injúrias
e blasfemar contra a opressão do sistema,
sem que meu corpo os vergões da punição tema
-o mundo perdoa da louca suas fúrias.
Meu grito se perde no eco da indiferença?
Sorriem ante meu punho erguido em protesto?
Mas...que me importa? Não cedi e até atesto
que o espírito que luta é feliz na decência.
E o que é a sanidade senão geral letargia?
Inércia cruel que fixa cenários de miséria
até que o hábito os reduza à pilhéria,
ou o amanhã os cultive com atroz nostalgia.