Sobre a graça da vida
Tenho, por vezes, pensado no rumo de minha vida e ainda não tenho certeza se estou tido como satisfeito. Veja: há muito daquilo que deveria ser pouco e quase nada do que eu acreditava ser tudo.
Engraçado é viver. A vida, como ela é, que vira e mexe, não é tudo e, num leve faltar de suspiros, deixa-se ser nada. Acaba sem ao menos disponibilizar uma escolha: vou-me e pronto, tenha vivido quem pudera, feito o que quisera e o que tenha dado ao longo desse tempo indeterminado que convencionaram como "vida".
Saiba, leitor, que tenho saudade da época do colégio, em que meus maiores problemas estavam em entender cálculos, aplicar fórmulas ou saber quantas malditas moléculas de cálcio existem em um punhado de ossos. Não sofro mais com isso. Agora, já ao determinar-me um ser jurídico, sem saber qual dos leques dos quais o direito me possibilita eu vou seguir, ponho-me perplexo: arre, não consegui, mesmo tentando assiduamente, encontrar um estágio sequer em que eu seja aceito. E não sou, nem de longe, o pior dos alunos. Na verdade, há quem diga que nasci para a grandeza. Mas como hei de tê-la se nem bem um estágio sou capaz de conseguir? Ponho-me a chorar, pelos cantos dos quartos, pelos cantos das ruas, pelas vielas e avenidas que me tem no caminho diário de ida e vinda da faculdade.
É madrugada. Devo acordar para mais um dia. Mas não há café a me esperar. Não há abraço a me acolher. A vida, caro leitor, é um desses desalinhos que me propuseram a alinhar, sabendo que, desde logo, nunca se comportariam à retidão do meu destino. Vivo hoje para que amanhã pense: época boa era minha época de faculdade, aquela procura incessante por um estágio; e hoje tenho tantos papéis a tratar. Mas, quem sabe, serei homem de renome... Ou, ao menos, tenha um abraço que me conforte ou um café que me acorde ou uma madrugada bem dormida...
Quem saiba esqueça como engraçado é viver e descubra, enfim, qual é a graça da vida.