A CULPA É DA TELEVISÃO
Tão estranho ligar a TV
E ver tanta gente boa
Morrendo.
Gente que a gente
Aprendeu a gostar
Gente que nunca
Tinha morrido antes.
Tão diferente entrar num lugar
E ver a meninada
Dizendo as ordens aos pais.
Tão preciso e misterioso
Entender como o jovem decora
Tantos botões,
tem o que apertar.
Na minha época se apertava
Plástico-bolha: isso é o bom!
Isso é o certo!
Na minha época mulher era
Tratada com flor
E aos pais: por raiz.
Isso é o certo!
Hino nacional na fila da escola.
Comunismo era coisa de outro mundo.
Líamos as escrituras, batíamos continência
Dizíamos: – Senhores!
Respeito era autoridade.
Comida era: arroz, feijão, salada e bife
No meu tempo, comida era feita pela mãe.
Mas é mesmo estranho ligar a TV
E ver que o hino gera graça na boca do iletrado.
Mas é mesmo estranho ligar a TV
E ver que a novela quer mudar o nosso jeito de amar.
Mas é mesmo estranho ligar a TV
E ver que o milênio virou
Que o tempo esgotou
Que há vida por aí
Que os gestos se modificam
Que amor é coisa de amante
Que a lição de casa é contrariar o dia!
Quem não sabe tudo isso?
Estranho é ligar a TV.
Ou será que ninguém percebe:
– é tudo culpa dela!
Maldita seja a televisão!
Será que ninguém deu conta disso?
Diachos! E ainda me querem tolerante?
Bom mesmo era no meu tempo:
– a gente nem podia mudar o canal.