Racista e mão-de-vaca
O negro-velho João
Contava e dava risada
Um causo pra peonada
De um tal maldoso patrão
Que maltratava o peão
Que tivesse pele escura
Além do mais, pela usura
Mal pagava algum tostão.
Muito apegado ao dinheiro
Nenhum valor para o pobre
Escassa atitude nobre
Por demais, interesseiro
Reconhecido festeiro.
No inverno, o negro no frio
Patrão de férias, no Rio
Por um semestre inteiro.
O gado crescia na estância
Enquanto o João trabalhava
O tal patrão mais ganhava
Vivendo na arrogância
Não havia tolerância
Para erro de ninguém
Mas ele errava também
Coberto de ignorância.
Seu filho de plena idade
Foi estudar Belas Artes
Vamos contando por partes
Falavam que na verdade
Ouviu-se pela cidade
Todo mundo desconfiava
Que o guri desmunhecava
Dentro da Universidade
Conto um pouco do que sinto
Da fazenda e da família
Havia também a filha
Pra rico, moço distinto
Pois é verdade, não minto
Que era moça mui bonita
Nunca saindo solita
Lhe trouxe um neto retinto.
Isto foi dura lição
Pro racista, mão-de-vaca
Não valeu meia-pataca
Nem teve bom coração
Sendo vazio de emoção
Deu mais valor à riqueza
Não via n’alma beleza
Virou pó naquele chão.
No galpão, pra peonada
Perguntava o velho João:
“Sabem quem virou patrão
Dono de toda boiada? ...
Contando, parece piada
Mas, é verdade, meu amigo!
Um neguinho, parecido comigo!”
João contava... E dava risada.