O rio de minha aldeia
O rio de minha aldeia
Passa por dentro de mim,
Vem dos confins de meu coração,
Vem, entre soluços dolentes,
Cortando o silêncio da noite,
Vem rumorejando mágoa infinda,
Vem do país das ilusões perdidas,
Vem por descaminhos
Em busca da imensidão do mar...
O rio de minha aldeia
Passa por dentro de mim,
Leva tudo quanto resta de mim:
Meus sonhos desfeitos, rumo dos charcos;
Minhas esperanças malogradas, rumo dos desertos;
Minhas mágoas inflamadas, rumo dos mangues;
Minhas ânsias desmanteladas, rumo dos pântanos;
Minhas tristezas depostas, rumo dos abismos...
O rio de minha aldeia
Passa por dentro de mim,
Não figura em nenhum mapa:
É um rio acanhado com um rústico cais
De onde singram pequenas embarcações
Sem leme nem bússola,
Carregadas de tristezas e de desenganos
Para destino ignorado...
O rio de minha aldeia
Passa por dentro de mim
Rumo dos vales dourados,
Rumo das planícies cobertas de flores,
Rumo dos montes azulados, ao longe,
Rumo das ilhas sonhadas,
Rumo de Áfricas utópicas,
Rumo dos canais de Amsterdã,
Rumo do Oriente idealizado...
O rio de minha aldeia
Passa por dentro de mim,
Passa por baixo de pontes de tédio,
Passa por baixo de jardins suspensos da solidão,
Passa por dentro de cavernas inexploradas,
Esfacela-se por desfiladeiros
Onde o grito de espanto de quem cai em si
Não encontra eco...
O rio de minha aldeia
Passa por dentro de mim
E deságua dentro de mim
Como se fosse chuva caindo sobre vitrais azuis
De uma catedral gótica
Nos confins de meu coração...
José Oliveira Cipriano
Fonte de inspiração: O rio da minha aldeia de Francisco Carvalho – poeta cearense, que se inspirou em O rio de minha aldeia de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)