LOTAÇÃO

O meu poema ficou no ônibus

Até que ele conseguiu passar por debaixo da catraca,

Mas desistiu de saltar no mesmo ponto.

Há um arrependimento encardido

Um ópio que instiga sem parar

– cadê a tua poesia, aprendiz de analfabeto?

Decerto o cobrador guardou

E cantará, píncaro do poeta que não é,

Os versos que deixei na distração.

Eu perdi pro desatento,

Confesso: pois que fosse uma boa poesia,

Nem esquecimento teria!

Mas era um rascunho, uma ideia, uma possibilidade,

Coisa que todas as poesias são:

desejos que todo mundo têm, mas alguém se atreveu a escrever.

Sabe as palavras que lamento por ter perdido?

Ficaram no busão!

Sou assim: não perco os olhos apenas por estar cego das palavras!

Havia um senhor que sempre estava lá:

saco de farinha sem farinha e o curioso:

um cheiro de coisa morta na vida desse senhor: estará com ele?

Pois será que há tão menor poesia no cobrador?

E nem nesse senhor: mas a menina loura dos cachinhos perfumados:

Terá ela se apossado da minha poesia?

(Na mão de uma mulher, o que é poema será sempre poesia)

E se a menina dos cachinhos postar o meu poema na internet?

Terei ciúmes? imagine só: minha palavra, caro amigo: meu atrevimento!

O mundo vendo a minha poesia sem saber que é minha

Inveja pouca é mentira: que todos nesse mundo morram de amizade!

Se a minha poesia alguém achou: não existe. Ideia perdida é silêncio.

[Postado em 05/2011, repostado por sugestão]