DEPOIS DE ESCREVER TANTO
depois de escrever tanto
parece que não há força
não há desejo
a vontade acabou
o brilho cessou
a visão diminuiu
depois de tanto escrever
parece que não mais haver
não há vontade
a alegria se perdeu
o coração arrefeceu
a vida partiu
depois de escrever tanto
e tanto e tanto
não há mais encanto
não há mais momento
é só um vazio no tempo
depois de tanto escrever
parece que a palavra vai bater
parece que tempo vai ruir
e é só o que há: sumir!
e depois de tanto escrever
e depois de escrever tanto
moças, poesia, acalanto
e depois de tanto verso
e tanto verso tanto
amores, levadas, remanso
parece que tudo se gasta
e apaga e se arrasta
no entanto
na beira do abismo
no fim da estrada
no desgosto sem gosto
o fim da picada
no entanto
no caos, no alvoroço
no aperto danado
no roer do osso
o ser maravilhado!
nunca é o fim
nunca é bastante
para o poeta errante
errar mais adiante
e errar um pouco mais
depois de tanto escrever
e depois de escrever tanto
ainda há o que se gastar
pois a palavra e o poeta
não acabam
mesmo quando acaba
a vontade de sonhar