A MENINA MEDONHA (La Niña Espantosa)


I – O Reino (A Maldição dos Bruxos)
 
Era uma vez um presente
Triste que se tornou passado
E virou fábula, lenda, mito!
 
Nesse passado mais real
E atual do que se gostaria,
Já não era o Reino banhado
Pela réstia solar e já não era
Com o arco-íris pintado
– por onde escorregam e brincam
duendes até suas áureas
riquezas para protegê-las! 

O frescor orvalhado ou precipitado
Já não aliviava o dorso da Terra,
E nem mesmo as lágrimas doces
– do céu triste que a tudo observava –  
Tamanha aridez podiam alcançar!
 
O pacto selado pelas famílias
Mais poderosas com o Bruxo
Ego e suas tenebrosas filhas
Avaritia, Discriminatio e Superbia,
Selou também o destino do Reino
Que já não podia ser dito “encantado”,
Pois fatalmente estava amaldiçoado!
 
Já não havia alegria ou pureza,
E essa herança passavam os pais
Abastados para os filhos
– a perpetuação do vazio!
 
Tudo era aparência, forma;
Horror, deformidade;
Ao horror chamavam beleza,
E à deformidade elegância
Ou classe – falsa realeza!
 
Era um Reino estranho,
Onde as massas trabalhadoras,
Honestas e pobres eram vistas
Com desprezo, e as minorias
Enriquecidas de iniquidades
E ouro eram vistas
Com altivez e fascínio!
 
Tão miseráveis e vazios
Eram os ricos que se alguém
Lhes tirasse os pertences
E o dinheiro, nada mais restaria!
 
A paisagem tétrica
Era um convite à morte,
E o estilo gótico
Da arquitetura e vestuário,
Um convite ao suicídio!
 
A maldição dos bruxos
– desencadeada pelos ricos –
Havia conseguido contaminar
Até as massas! Só não havia
Deus destruído o Reino porque
Ainda anjos ali haviam – o vazio
não havia preenchido tudo,
ainda não estava tudo perdido!
 
Não era um Reino
Para um Conto de Fadas,
Mas para um assustador
Conto de Terror!
 
 
II – A Deusa (Anjos e Demônios)
 
A pequena menina
Sofria por não estar vazia,
Por ser diferente das demais;
Por vestir-se modestamente
E por ter uma beleza
Que incomodava, aquele tipo
De beleza que vem da alma
E supera o corpo em suas formas;
Aquele tipo de beleza
Que não se pode comprar
Ou com ouro e gemas simular,
Que inveja causa naqueles
Que já não tem nada dentro!
 
Mais que isso: mesmo
A beleza de seu corpo
Era superior, pois dispensava
Qualquer tipo de adorno!
E o que restava às outras meninas?
Apegarem-se às suas roupas caras,
Sapatos de grife e dinheiro;
E com isso – tudo o que tinham –
Atacarem a pobre menina!
 
Sim, a viam feia e pobre,
Da mesma forma que um
Demônio se espanta de terror
E asco ao ver a luz de um Anjo
E suas macias asas, chamando-o
De abominável e perverso!
 
Diziam a ela: – Aí vem
A MENINA MEDONHA!
Pobre MENINA MEDONHA!
MENINA MEDONHA!
 
Crianças puras são as primeiras
A identificarem os anjos (seus iguais),
Mas de tão vazias e impuras, viam-na
As crianças daquele Reino com os olhos
Do demônio, e sobre ela vomitavam
Toda sua crueldade e lhe infringiam
Os maus tratos que todo mártir de Deus
– justo, puro e inocente – acaba por sofrer!
 
Essas crianças a viam
Com os olhos de seus pais
– brincavam com seus óculos
de lentes sujas, manchadas
com as cores do orgulho
e do preconceito – e as únicas
Satisfações que podiam ter
Eram acumular riquezas,
Degustar guloseimas
Ou humilhar às outras!
 
Viam-na – ao Anjo – asquerosa,
Pois para quem vive acostumado
Com o próprio odor pútrido
De seu interior repleto de chagas
E pústulas, com o câncer da riqueza
E da soberba a consumirem a alma,
Com o cadáver dessa alma
Em decomposição e repleto de larvas;
O frescor e a pureza do perfume
Das flores que brotam de um Anjo
Parece demasiado fétido e asqueroso
 – afinal, não eram essas crianças
tão vazias quanto se pensava!
 
Apenas os gêmeos e sua prima
– a comitiva de anjos guardiões –
Mantinham a pureza que permitia
Que vissem o que a pequena menina
Realmente era: um verdadeiro Anjo
Imaturo, ainda muito jovem,
Que de tão travesso pagou um alto preço
Ao cair da nuvem em que brincava
Com inocência – os olhos puros ainda
podem ver as cicatrizes nas costas!
 
Quem imaginaria que aquela menina
– aquele pequeno Anjo – cresceria
E se transformaria em uma deusa
Bela e poderosa, capaz de despertar
Amor e paixão, desejo e adoração,
Veneração e cobiça?!! Que teria
Poderes sobre as potências
Da natureza sobre as quais
Os bruxos exerciam o seu domínio?
Quem imaginaria que ela estaria
Destinada a devolver a luz ao Reino?
 
 
III – O Baile das Fábulas (De Patinho Feio a Odette e Cinderela)
 
Como nos contos infantis,
Como nos contos de fadas,
Era a menina como o Patinho Feio:
Um Anjo entre os humanos;
Uma deusa entre os mortais!
 
Não passavam as outras crianças
De meros patinhos desengonçados
Que não percebiam o porte do cisne!
 
O Patinho Feio cresceu em graça,
Beleza e elegância, tornando-se
A Rainha dos Cisnes – a Princesa
não poderia deixar de ser Rainha!
 
Estudou Balé e estrelou
O Lago dos Cisnes como
O cobiçado Cisne Branco,
A todo o Reino encantando!
 
Ela acredita que bruxos,
Bruxas e maldições ficaram
No triste passado, mas seu Príncipe
Conhecerá a beira do lago
Pelas lágrimas de sua mãe formado?
 
Após passar pelas provações
Com os cruéis patos, terá ainda
Que sofrer com o Cisne Negro?
Terá o baile um final feliz ou trágico?
Deveria chamar sua Fada Madrinha!
 
Era a jovem como Cinderela:
Princesa em tudo, menos no título;
Desprezada por aquelas que eram
Suas irmãs aos olhos de Deus
E tinham sapatos cravejados
De diamantes, mas que jamais
Conseguiriam calçar o sapato de cristal
– não tinham um olhar cristalino
por onde se via o brilho da alma imortal!
 
Se a viam asquerosa,
É porque estava cheia de borralha
(cenizas de la Cenicienta),
De cinzas das virtudes alheias
Incineradas nos fogões que cozinham
A corrupção com que se alimentam
Voraz e insaciavelmente as famílias
Burguesas (nada tinham de realeza):
Eis a Gata Borralheira!
 
O cristal posso ver nos pés delicados,
Nos olhos e no seio que ao coração abriga;
Pode o Poeta ser o Príncipe de encantados
Versos nesse presente que se apresenta?
 
Veio do povo a verdadeira Rainha,
E não de um Palácio! Com sua luz
Divina o Reino livrou da maldição
E os bruxos e bruxas repeliu!
 
Era uma vez um presente triste
Que se tornou passado e virou
Fábula, lenda, mito;
E que a um futuro Conto de Fadas
Deu origem com o beijo que sela
O Feitiço de Amor Verdadeiro
– com o final feliz que anela! 
  
Julia Lopez

01/12/2013
 


Nota sobre a foto: montagem com a arte digital “Swan Lake” editada, do artista Kouzaku do DeviantArt, sobre a arte digital “Cinderella”, do artista Danapra, também do DeviantArt.

Nota sobre o áudio: o Poema deve ser lido junto com a música, que é o Ato I, N° 5 – Pas de Deux (Andante – Allegro) do Balé “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky. Os que acessarem a página do Poema pelo Recanto das Letras não conseguirão ouvir o áudio, então peço que o leiam no meu Site do Escritor clicando aqui: http://www.escrevendobelasartes.com/visualizar.php?idt=4595118 .

Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 02/12/2013
Reeditado em 10/01/2024
Código do texto: T4595118
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.