Sobre ontem
Sentou-se entre os lençóis.
Por trás da cortina
Feita de finos fios
Unindo-se um lado ou outro
Como uma célula à sua irmã
Ela estendia sua mão
Contra o vento sonhado
Que soprava longe de sua gaiola
E chegava os seus olhos depois
Como devaneios desenhados
Nas mais redondas nuvens
E nos seus mais temíveis medos
Que residiam no seu pio morto
E tal pio, tão fúnebre e sôfrego
Não passava de um anseio
Grito do eloquente desejo de ver
O que havia por trás dos muros
Dos muros e das ruas largas
Largas como artérias
Da qual o sangue puro
Fora drenado até a última gota
Também desejava contemplar
O que havia por trás dos prédios
Que, de tão gigantescos,
Deixavam-na completamente insignificante
Mas em tal insignificância residia
A maior existência que o firmamento já acolheu
Não pelo seu valor, seu poder, sua agonia
Mas por ser um grande vácuo onde algo dormia.
Algo como as correntes de estrelas que vagueiam
E, no Cosmo, explodem a vida em seu calor
E nadam as luzes mais encantadas
Onde a cor é Lei, e não há Ego.
Onde somos apenas um grupo
De gotas d’água de um só oceano
Nos desmanchando na margem do Mundo
Como ondas que logo voltam para onde vieram
E logo percebemos a areia em nossos pés
Coçando-nos dedos e nos despertando
Agora somos pássaros
No Vento Livre, voamos…
Mas se tal vácuo acolhe algo como isso
Como poderia ser tão doentio
Ao ponto de aprisionar
De aprisioná-lo de dentro para fora?
E, expelindo as grades,
Faz cada olho daquele pequeno ser
Ser testemunha de um livre espírito sem rumo
Ou um rumo sem viajantes livres.
E sentado entre os lençóis
Brinca com as sombras malignas de suas mãos
Que ao tocarem as grades imagináveis expelidas por sua alma
Projetam sombras, ou apenas visões do grande vácuo.
Mas sem saber, escreveu em um papel ao lado:
"sou alma, ou sou vácuo?
sou trajeto contínuo ou estou sempre parado?
sou luz, espectro, ou prisma?
sou um par de algo ímpar?
Sem respostas, adormeceu.
Sem ao menos poder entender
O porque de ser tão entorpecido
E nunca conseguir compreender.
Somente um corpo, hospedeiro
Para tamanho fardo
Que, em algum lugar, reside
Mas não é nada, senão imaginado.
Mas o que é imaginação?
É tudo fato para os olhos astutos
Sempre armados…
Sempre desalmados.
Papel e tinta.
Tinta e sangue.
Quem garante…