FRAGMENTO DE ELÊUSIS: CERIMONIAL EM QUATRO ESTAÇÕES!

 
À POLÍMNIA (INVOCAÇÃO À MUSA)
 
Por todo o Telesterion a ressoar
Em grande voz o místico rito!
À Musa o Hierofante a invocar,
Para iniciar o narrar do triste mito:
 
“Canta, oh Musa,
Os profundos sofrimentos
Da casta Deméter,
A de dourada e abundante cabeleira,
Filha de Cronos e Réia;
Que desolada e com terríveis gritos
A ressoar em seu compungido coração,
Vagou sem rumo por toda a Terra
À procura de sua filha, Perséfone,
A de belos tornozelos e cândida cútis,
Raptada pelo Clímeno Hades,
Terrível soberano
Dos Mundos Submersos!
 
Imperecíveis são os hinos
E histórias narradas por teus rubros
E ardentes lábios, oh diva excelsa,
E que eles sussurrem as palavras
Das mortais e imortais
Na doce voz da Sacerdotisa
– concede a ela ser veraz em seu intento!
 
E quanto a mim, deidade inefável,
Minha memória aviva
E meu ânimo eleva,
Para que meu verbo ressoe
Por todo o templo
Com o imortal relato
De tão sublime história!
 
Aponta, oh Polímnia,
Deusa alva de sacro véu,
As terríveis tramas
Daquele que se deleita
Com trovões e raios,
Cujas conseqüências funestas
Sofreram mortais e imortais!”
 
Terminada a arrebatadora e solene invocação,
Ao sofrido drama das estações dá-se início
Com os iniciados, em profunda veneração,
A celebrar o despontar do veraneio solstício!
 
 
PRIMEIRA ESTAÇÃO: O VERÃO NO CORAÇÃO DOS HOMENS!
 
A bela Sacerdotisa a serpentear
Em excelsa Musa transfigurada
Dá início ao narrar do longo tear
Da perfidiosa trama perpetrada:
 
“Em desconforto estou ao sentir
As antíteses de sentimentos antigos,
De feridas que fecham e abrem
Ano após ano, ao narrar
O sazonal drama das divas!
 
Porém, a vós mortais devo
Dar a conhecer tais arcanos,
Para que o celebrem
Em festivais que ressoarão
Até a morada dos sempiternos,
Para que estes sempre lembrem
Das sérias consequências
Da perfidia e afronta às deusas!
 
Arcanos de um tempo
Em que do tempo
Só se conheciam
O farol solar
E as luminárias
Estelares e lunar,
Pois a terra vivia
Em uma mescla
Paradisíaca
De primavera e verão,
Com abundância de flores,
Frutos e vegetais de toda sorte!
 
 
A Inocência das Virgens
 
Neste nostálgico tempo,
Em um viçoso prado recendia
O frescor primaveril de juventude
A exalar das inocentes virgens,
Que nada conheciam das malícias
E maldades de homens e deuses.
 
Brincava a doce Perséfone
Com as belas filhas do Oceano,
E com tanta inocência e alegria,
Regozijava-se toda a natureza!
 
Com a alegria e pureza
Que apenas se vê na aurora
Da vida mortal e imortal,
Colhiam os botões
Do primaveril vestido
Que à nudez da terra cobria,
Balançando no dançar
Da suave melodia da brisa.
 
Do encantador vestido
Arrancavam botões rosa,
Amarelo-açafrão, violeta...
E com eles faziam
Belos arranjos,
Soberbas coroas,
Tapetes de pétalas
E exuberantes buquês
Para entregar à terna
Figura materna.
 
O idílico momento perfumava
Toda a terra e levantava
Tão colorido pólen,
Que ao precipitar sobre as pradarias,
Criava o divino espetáculo
Do nevar arco-íris de verão!
 
 
O Rápto de Perséfone
 
Mas o nubícogo Crônida em segredo
Entregava a mão da filha Perséfone
A seu temível irmão Hades,
Senhor dos mundos submersos,
Pois aquele que a todos recebe
Cativo estava da juventude da deusa,
De seu irresistível perfume
E de sua formosíssima figura!
 
Da pingue terra
O altitonante fez brotar
Cem admiráveis botões de jacinto
Que exalavam um perfume 
suavíssimo 
Que se espalhou por terra, céu e mar,
Assombrando a mortais e imortais,
Que logo perceberam a iminência
De algo grande a acontecer!
 
A deusa não percebeu a insídia
E alegremente curvou-se
Para colher o belíssimo engodo,
Quando em um estrondo
Partiram-se as planícies de Nísia
E da grande fenda surgiu
O soberano Polidegmon,
Levado por seus corcéis briosos.
 
Em um rompante
A desditosa Pérsefone
Foi arrebatada
E levada à força
Pela áurea carruagem.
 
Suas lágrimas,
Como veraneia chuva,
Salgavam a terra,
E seus brados ressoavam
Até as grutas mais profundas
E no mais profundo mar,
Mas pela vontade do Tonante,
Ninguém a ouvia,
Fossem mortais ou imortais
– apenas a Gorgófona,
A crescente lua e o Sol!
 
E clamava por seu altíssimo
E poderosíssimo pai,
Que propositalmente não a ouvia,
Pois se encontrava
Distante dos deuses,
Recebendo numerosos
Sacrifícios em um templo.
 
Enquanto não perdia de vista
O mundo conhecido,
A púbere deidade ainda
Alimentava esperanças
De que sua zelosa mãe
Ou os olímpicos moradores
A salvassem, mas ao
Mergulhar nas profundezas
Do mundo desconhecido
– mansão dos mortos –
Deixou para trás
Toda a esperança,
E um pavor terrível
Mergulhou seu coração
Nas trevas do mais
Profundo abismo!
 
Quando finalmente
Demeter ouviu a filha,
Sentiu uma dor aguda e profunda,
Como se o raio do Crônida
Lhe trespassasse o peito
E estremecesse as pernas!
Lançou por terra a faixa
Que cingia sua cabeleira
E cobriu-se com o céu azul
Para correr desesperada
Em busca da filha!
Sua dourada cabeleira
Esvoaçava reluzente
A refletir o sol,
E por toda terra e mar
Se via a figura esplendorosa
A perguntar pela filha,
Mas ninguém quis
Dizer-lhe a verdade!
 
 
Os Sofrimentos de Perséfone
 
Falais de consequências,
Nugativos mortais,
Mas nada sabeis
Das coisas que passam
Entre o céu e a terra!
 
Credes vós que as funestas
Consequências da traição
Do imbrífero Tonante
E os pesares da mãe,
Estão à altura
Dos sofrimentos da filha?
 
Pobre Perséfone!
Levada à força; desposada;
Toda sua virginal pureza deflorada:
Cada pétala de sua floral juventude,
Tão zelosamente cultivada por sua mãe,
Avidamente arrancada!
Tão puro sangue
Dolorasamente derramado
Naquele leito,
Tal como ara de sacrifício,
Trazendo à morte
Aquela inocente menina
De outrora – luz da aurora –
Para que dessa morte nascesse
A belíssima e fatal mulher
A qual Hades fez sua rainha
Cingindo-a com a coroa
Da Rainha da Morte;
Rainha dos Mundos Submersos!
 
 
Ingratidão Mortal
 
Dos sofrimentos da filha,
Nada sabeis,
E dos sofrimentos da mãe
Não compartilhastes!
 
Ingratos sois vós,
Meros mortais,
Pois felizes inicias vossas colheitas
Em dia tão sublime para vós,
Ávidos pelos frutos da frugífera terra
Que dá-nos a mãe Deméter!
Porém, seus profundos sofrimentos
E suas abundantes lágrimas,
Tal como veraneia chuva, ignoreis!
 
Tempos de alegria para os homens
E tristeza para os Deuses,
Ainda que estes não o saibam!
Oferendas e holocaustos brindam-lhes honras
Que os conduzem ao ledo engano!
Neste dia,
Tudo que for-te dado
Por mortais e imortais,
Oh melifica Perséfone,
Exalará um terrível hálito de morte
E à garganta ser-te-á como fel;
Pois quando o perfume
De tua inocência e juventude
Começou a brotar de tua cândida pele
E viajar junto à suave brisa primaveril,
Inebriando os sonhos e desejos
De mortais e imortais;
Quando os sinais
De tua grande beleza e feminilidade
Começaram a brilhar tão sedutoramente
Quanto a luz do luar, despertando,
Com tua pureza campestre,
Os mais selvagens instintos;
Fostes entregue em sacrifício
Ao Senhor dos Mortos
Para o tétrico esponsal!”
 
 
Veraneias Oferendas de Compadecimento e Júbilo
 
Terminada a divina e agastada admoestação,
A Sacerdotisa seus delicados lábios cerra.
E todos ouvem o Hierofante, com atenção,
Até que, por fim, sua longa narrativa encerra.
 
Ao encerrá-la, passa a convocar o Hierofante
Aos iniciados – com o coração compungido
e a exibir seu nublado e pesado semblante –
Para ofertarem o que ditosos haviam colhido:
 
“Trazei as pingues oferendas à
Generosa Mãe Natura, que em
Festa solsticial o verão nos revela!”
 
O ressoar dos compadecidos Mystai
A invocar a presença da sofrida diva
Que em pesares e lágrimas se esvai
A clamar pela bracinívea filha cativa:
 
“Veneranda Deméter,
Que trazeis os frutos à seu tempo
E fazei-nos esplêndidas oferendas!
À terra dá-nos abundância de frutos,
Que com vossas bênçãos
Sazonam maravilhosamente!
 
Alegres e regozijantes damos início
À colheita dos deliciosos frutos;
Mas compadecemo-nos
De vosso terrível pesar!
Aceitai estas singelas oferendas
Que com devoção entregamos!”
 
Mas os jubilosos iniciados
As colheitas precisam celebrar;
Das déias esquecem os fados
Ao ouvir o Hierofante a invocar:
 
“Benévolo Dionísio!
Filho de Zeus e Sêmele!
Alegria dos homens!
Deus que aviva a homens e animais
com o fogo que corre em vossas veias!
Deus do vinho e da divina ebriedade,
o duas vezes nascido Iachos,
que transforma as bebidas ácidas
em doce néctar;
abençoai este summum do verão
que dá-nos a Mãe-Terra,
para que possamos manter
viva recordação desta alegre época,
pois é chegado seu fim!”
 
Finda assim o veraneio rito;
Dá-se início à primeira estação
De um ciclo temporal e infinito
De dor, morte e ressurreição!
 

Julia Lopez

21/03/2008
 

 

Nota sobre a foto: escultura em mármore "O Rápto de Perséfone", de Gian Lorenzo Bernini.

OBS.: Esse é apenas um fragmento de uma obra inacabada. Três estações estão escritas, mas ainda não foram lapidadas ou revisadas. Ainda não terminei de escrever a última estação. Para o mito e para os Mistérios, tudo começa com o verão, e não com a primavera.


Visitem meu Site do Escritor: http://www.escrevendobelasartes.com/
Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 14/04/2013
Reeditado em 10/01/2024
Código do texto: T4240419
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.