INIMIGA MINHA

Aquela mulher que, ao nascer, foi mutilada

e depois esqueceu que também é águia.

Aquela mulher que prefere não pensar em nada

(nem mesmo em suas filhas !),

e viver acomodada, massacrada, mascarada,

de seu real ser distante e esquecida.

Aquela mulher que se deixa guiar por quem não tem razão,

que esconde de si mesma o próprio coração,

que se diz feliz em sua longa prisão,

de quem tento, a tão duras penas, arrancar a alienação.

Aquela mulher, que perto dela não me quer.

Que não me dá crédito, que me despreza,

que me olha indiferente, ou com escárnio,

ou como se eu fosse só reflexo pálido

de sua enorme esperteza tão “esperta” de anos e anos.

Aquela mulher que me ofende, que me agride, que me insulta,

que me machuca, que me acusa, que me expulsa...

Porque a amo mais do que seu esposo, ou irmão, ou pai, ou filho, ou sobrinho, ou neto, ou...

Porque a enxergo e desejo restituir-lhe o que lhe é de direito:

as asas, o sorriso, as chaves, o sonho, as escolhas, a paz.

Porque quero lembrar-lhe de que é gente, livre, transcendente, capaz.

Porque almejo trazer-lhe um pouco de coragem e consciência sagaz.

Aquela mulher é... é sangue do meu sangue!

Alma da minha alma! Asa da minha asa!

Aquela mulher é minha irmã! É minha mãe!

É minha tia! É minha avó! É minha prima! É minha filha!

E tudo o que eu queria é que não me tratasse como inimiga,

e que nos tornássemos verdadeiras amigas.