FILHA

Em límpidas manhãs coloridas por gotas de orvalho,

cumprimente todas as plantas e o velho carvalho,

sinta o perfume no ar, acenda velas em belos castiçais,

caminhe pelas trilhas e por entre arcos de cristais.

Saboreie as frutas de cada sapiente momento

até encontrar o sagrado templo nos teus adentros,

onde, um a um, restauram-se teus fragmentos.

Não tenhas medo de entrar pela gigante porta aberta

da pequenina, silenciosa, tranquila e cálida capela,

pois ali está o Ventre no qual tua alma é gerada,

as Mãos pelas quais tua vida é esculpida e plasmada,

a Mente que, aos teus profundos, instiga e inspira,

as Asas que inventam, modelam e curam as tuas

o Coração que amar te ensina, a Voz que te chama de filha.

Aproxima-te, deita a cabeça em Seu colo com confiança de menina.

Fala-Lhe, com simplicidade, de tudo que anda se passando,

dos teus erros e problemas, das preocupações e dos sonhos,

daquilo que te emociona, daquilo que te faz rir, daquilo que te fere

daquilo que te empolga, te alegra, e do que te causa culpas,

daquilo que compreendes e de tudo que continua intrigante mistério,

daquilo que te encanta, te ilumina, te move, te faz ousar e tentar voar...

Entrega-Lhe teus cansaços, misérias e lutas diárias.

Entrega-Lhe tuas parcas força, teus desequilíbrios, teus orgulhos inúteis,

tuas ilusões de saberes algo, tua infinita ignorância sobre quase tudo,

Entrega-Lhe também todas as sementes e dons que te foram concedidos,

todos os ideais, trabalhos, esperanças, buscas, entes queridos,

bem como o amor que em ti foi plantado e a pessoa que amas.

Deixa tudo ali, no altar, com gratidão, confiado às mãos do/a Artista.

Depois, sinta a paz que te invade, e consinta em se surpreender com

o que virá, sem planos, sem definições, apenas aberta e desarmada,

porque da arte Divina nada se sabe, apenas se acolhe e se maravilha.