"RECORDAÇÕES" - Castro Alves - Hoje é o Dia da POESIA (*)

Lembras-te ainda dessa noite bela

Em que, donzela, te chegaste a mim?

Lembras-te? Dize... mas não tenhas pejo...

Que vai um beijo p'ra corar assim?...

Que linda noite! da montanha o vento

Tênue lamento suspirava então.

E nos teus lábios, no tremor, no medo

Lia o segredo de febril paixão.

Passava a lua pelo azul do espaço

Do teu regaço a namorar o alvor.

Como era terna no seu brando lume.

...Tive ciúme de ver tanto amor ...

Como dum cisne alvinitentes plumas

Iam de brumas a vagar nos céus,

Gemia a brisa — perfumando-a a rosa —

Terna, queixosa nos cabelos teus.

Que noite santa!... Sempre o lábio mudo

A dizer tudo, a respirar paixão;

De espaço a espaço um fervoroso beijo,

E após o pejo... e algum frouxo não.

Eu fui a brisa — tu me foste a rosa,

Fui mariposa — tu me foste a luz,

— Brisa — beijei-te — mariposa — ardi-me.

E hoje me oprime do martírio a cruz.

E agora quando da montanha o vento

Geme um lamento de infinito amor,

Busco debalde t'escutar as juras...

Não mais venturas... só me resta a dor.

Seria um sonho aquela noite bela?

Dize, donzela... Foi real... bem sei!...

Ai! não me negues, diz-mo a lua, o vento,

Diz-mo o tormento que por ti penei!...

(*) Hoje é o Dia da Poesia, em homenagem ao nascimento de Antônio de CASTRO ALVES, aos a 14 de março de 1847, na comarca de Cachoeira, na Bahia, e faleceu a 6 de julho de 1871, em Salvador, no mesmo estado brasileiro. Fez o curso primário no Ginásio Baiano. Em 1862 ingressou na Faculdade de Direito de Recife. Datam desse tempo os seus amores com a atriz portuguesa Eugênia Câmara e a composição dos primeiros poemas abolicionistas : Os Escravos e A Cachoeira de Paulo Afonso, declamando-os em comícios cívicos. Em 1867 deixa Recife, indo para a Bahia, onde faz representar seu drama : Gonzaga. Segue depois para o Rio de Janeiro, recebendo aí incentivos promissores de José de Alencar, Francisco Otaviano e Machado de Assis. Em São Paulo, encontra nas Arcadas a mais brilhante das gerações, na qual se contavam Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Bias Fortes e tantos outros. Vive, então, os seus dias de maior glória. A 11 de novembro de 1868, em caçada nos arredores de São Paulo, feriu o calcanhar esquerdo com um tiro de espingarda, resultando-lhe a amputação do pé. Sobreveio, em seguida, a tuberculose, sendo obrigado a voltar à Bahia, onde veio a falecer. Castro Alves pertenceu à Terceira Geração da Poesia Romântica (Social ou Condoreira), caracterizada pelos ideais abolicionistas e republicanos, sendo considerado a maior expressão da época. Sobre o grande poeta, Ronald de Carvalho diz : "- mais perto andou da alma nacional e o que mais tem influído em nossa poesia, ainda que, por todos os modos, tentem disfarçar essa influência, na verdade sensível e profunda". Suas obras : Espumas Flutuantes, Gonzaga ou A Revolução de Minas, Cachoeira de Paulo Afonso, Vozes D'África, O Navio Negreiro, etc.

Lobo da Madrugada
Enviado por Lobo da Madrugada em 14/03/2007
Código do texto: T412490
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