CAMISA DE FORÇA
Meu calabouço é um bocado de gente.
Estou preso em tanta sociedade
O volume, o espaço, a vazão,
Toda intensidade me incomoda um pouco.
Há em mim uma vocação em achar que a ninguém se confia,
Há em mim um quadro da saudade que tenho
das faces que se congelaram no tempo da minha memória;
Sou fiel às coisas paradas.
As andanças me encapelam, mas apenas o amalgamado me seduz.
E essa tanta gente em volta, ai...
Insiste em espalhar; movimento repleto, contínuo, sem gozo.
Quem garante que o mundo está certo? Quem sequer insinua que o sufoco liberta?
Quem consegue impedir a engrenagem? Quem põe o óleo na mola e nem evitar os rangidos?
Quem consegue ser tão leal a si mesmo?
O ideal é o parado.
Estagnado é: achado o equilíbrio: se ficou, é porque está – e se está, assim é.
O castelo cravado nos séculos jamais desmorona.
As possibilidades geram ciúmes.
O incerto é o porém duvidoso.
Dom Pedro é imponente no retrato.
Sem gravação ninguém ouve a canção.
A reprodução tira a alma da revelação.
Sem moldura a Santa Ceia é uma lenda.
As pirâmides colocaram geometria na história.
Amor passageiro é uso.
Culinária de fora é experimento.
Mudar muito de emprego, confuso.
Escolher tanto o futuro, tratamento.
O que tem, passa: o que é, fica.
Enquanto a gente tropeça em tanta gente
O tempo aguarda sentado.