A CADA BATIDA DO CORAÇÃO DO TEMPO

(Para Alzira Augusta, minha avó e meu anjo)

Amo o azul, nem frio nem escaldante, mas intenso e refrescante.

Amo as folhas vermelhas e amarelas, misturadas ao verde e aos frutos,

espalhadas pela suave brisa que acaricia plantas e caminhos.

Amo a pele de pergaminho !

Cada marca, traço, cicatriz, prazer e momento que ela encerra.

Amo as cabeças cobertas de prata e lembranças,

e os corações ricos, resistentes e nostálgicos.

Amo os rostos enrugados, sulcados ( misto de severos, gentis, vulneráveis), que sempre me invadem, me impressionam,

com sua arte e beleza tão bem esculpida,

tão entranhável e tão mal apreciada...

Amo as mãos fracas, trêmulas, gastas, cujo poder de me acalmar

sempre ultrapassou o de todas as outras!

Amo as veias saltadas, por onde escoam sangue e tempos infinitos.

Amo o olhar perspicaz, sabedor, ora pungente, doloroso,

ora irônico, brejeiro, ora tão surpreendente e vivo,

de quem já de nada mais se apropria,

de quem não tem sequer um minuto a perder com ninharias.

Amo as palavras e os silêncios dos longos anos de conhecimento.

Amo os passos calmos, dignos, sem pressa,

a nobreza sutil da bengala e do sorriso frágil.

Amo a condescendência paciente de tantas pessoas de longa estrada,

a cortesia dos chás o cafés, o cuidado com plantas e animais,

as histórias, segredos, experiências e significados,

(espalhados por objetos, livros, fotografias) que só elas conhecem.

Amo a idade da franqueza, da quebra das máscaras,

em que se mandam medos, ilusões, reticências às favas.

Amo, enfim, tudo o que é outono,

tudo o que pertence à chamada Sra. Velhice.

Nele nasci e morrerei. Nela nasci e morrerei.

E em ambos vivo a cada batida do coração do tempo,

debaixo das asas daquela que me ensinou a amá-los tanto.