COMOVENTES

Horas e horas a olhar para aquela gente desconhecida,

no preto e branco de retratos tão antigos.

Crianças fantasiadas de adultos, com expressões descontentes.

Homens, quase todos, severos ou sorridentes,

em vestes sóbrias, elegantes, orgulhosos de si mesmos.

mas as mulheres, quanto desalento!

Trajes bonitos, mas apertados, postura contida.

Tanto pensamento, tanta emoção reprimida,

em olhos devastadoramente comoventes...

Um grito estrangulado, saltando de cada uma delas.

Não lhes tinha sido fácil a vida.

Não lhes fora dado serem realmente quem são nem tão queridas.

Um grito estrangulado golpeando-me sem piedade,

Sufocando-me com suas vozes nunca ouvidas.

Tentei fugir – impossível. Permaneci ali – inamovível.

Que me dissessem tudo o que jamais puderam sequer pronunciar!

Dor, nostalgia, assombros, claridades,

brandura, medo, atenção, curiosidades,

a envolver-me de segundo a segundo. Que estranho aquilo tudo!

Viviam em mim – tinham-me dito claramente.

Quando compreendi, pela primeira vez puseram-se a sorrir.

(Por que isso me pareceu surpreendente ?)

Mulheres, de repente, tão assustadoramente próximas,

familiares, conhecidas...uma sensação estranha, ilógica...

Mas tinham sumido, não estavam mais aqui.

Do século passado e retrasado - afirmara o guia da exposição.

O tempo, porém, tinha parado.

E não me pareceu, menos do que antes, atrasado.