LETRAS DE MEL
Quando um dia eu for velha – se é que esse dia chegará,
talvez aprenda a viver o presente e a me aposentar.
Talvez veja o que até então não vira.
Talvez perceba que muita coisa era só tolice
e que muitos monstros eram só bichinhos de pelúcia.
Talvez consiga vencer o que em mim é difícil de suportar,
e dê de cara com a fragilidade que no ensina a sermos humildes,
nos desprende dos orgulhos e vaidades absurdos
(aqueles que nunca tiveram o menor cabimento),
e nos prepara para aceitar o colo de Deus/a.
Talvez descubra o segredo e a beleza pungente, invisível,
dos que têm longa estrada, e possa, afinal, deitar-me no ombro da paz.
Quando um dia eu for jovem – se é que esse dia chegará,
talvez aprenda a ser mais leve, a sorrir mais,
a não pensar nem me preocupar tanto, a jogar papo fora,
a não me irritar com meus infantilismos e sentimentalismos,
a acreditar no impossível e em mudar o mundo.
Talvez faça planos para o futuro, corra atrás das causas e soluções,
ame o inusitado, os ideais, os novos horizontes, as revoluções...
Talvez tenha medos inúteis, pressas sem sentido,
forças insuspeitadas, dádivas e dons adormecidos...
Talvez encontre Deus numa esquina da vida, de braços abertos
e dizendo pra eu não perder tempo com o que não vale a pena.
Talvez descubra a audácia da esperança, a candura da criança...
Por enquanto, porém, só sei ser ambas.
Sempre atravessando o curto tempo
em direção ao abraço da solitária amiga morte.
Falar nisso, quando um dia chegar esta minha amiga,
quero que escrevam apenas as seguintes palavras em letras de mel:
“Aqui dorme um coração terno e uma mente de asas abertas.
Favor cuidar de suas sementes e não pisar em seus sonhos e descobertas.”