O JOÃO DO VERSO


Caia-te, falso poeta, a pena
Com que vais, triste, a versar.
Deus deu-te aflição serena,
Minguando-te o vil penar.

Fez-te belo, e sábio, e nobre,
Deu-te o dom de fazer verso.
Tua vasta obra não encobre
O sorrir que tens imerso.

Quem te lê, logo advinha
O contraste nas tuas rimas.
Poeta não és, que mesquinha
É a trapaça com que as limas:

Um pranto que não choraste
Escorre-te tão bem do rosto,
Que, em pintando sujo e arte,
Vais dando em mais alto posto.

Cesse-te o fingir da trama,
Pois; que poetes cousas reais.
Não temas; de há muito a fama
Jogou-te entre os imortais.

Não arranques doutro a glória
Merecida - e não cuidada!
Doutro que ao revés da história
Vive, ou vegeta - mais nada!

No peito há dor; não maldiz,
Porém, o Ser que o gerou.
Havendo em si mar de pranto,
Nunca em vida ele chorou.

Por ignorante e sem tinta,
Sábio, talvez, é só quem é.
Não põe dúvida que desminta
Na escuridão a luz da fé.

Alheio a todos, sem vintém,
Embora! a sua estrada é reta.
Não faz verso o João-Ninguém,
Mas é talvez o maior poeta!
Aécio Cavalcante
Enviado por Aécio Cavalcante em 28/02/2007
Reeditado em 01/03/2007
Código do texto: T397069