O PÁSSARO E A ÁRVORE


“Dá-me abrigo - bradava o pássaro aflito -,
Eu venho d’outra plaga, escuta, pois, meu luto:
Sou da peia o desertor e há muito não escuto
O deslize da brisa em minha sombria pena.
Os meus dias são negros - chamo-me treva,
Vis suspiros de morte o meu peito eleva...
Deixa-me saltar por tua ramagem amena!”

“Não! - replica-lhe a árvore então ofendida -
Eu obedeço às leis e jamais deixaria
Que pousasse com os raios luzidios do dia
Em alma minha um precito assassino!”
“Precito assassino, ouço?! Quem?! Serei eu?!
Julgas ser assassino então quem cometeu
Por delito um canto assim tão divino?!”

“Foi somente esse o crime em ti encontrado?!
Entra, pois, amigo, atira-te em meus ramos.
Unamos num só canto as nossas vozes... Vamos
Expulsar do existir a cruel agonia,
Arrancar da garganta o mais meigo canto,
Da campina em flor, tanto anelo, tanto!
Da gentil natureza, a suprema poesia!

Não vês que estou também da má sina jogada
À perpétua prisão - o seio quente da terra?
Não vês que em minha copa há muito se encerra
Um sonho bem distante e que nunca há-de vir?
Ah! Se voar desbravando o infindo eu pudesse!
Galgar morro, montanha, água, serra e messe!...
Ah! Quem dera eu poder espraiar e fugir!”

“Fugir?! Mas por que então alçar vôo e fugir,
Se tudo ao teu redor é assim tão belo:
O teu vasto campo - um jubiloso castelo
Envolto pelos raios incessantes do sol...
Se tudo é festa, é luz, sonhar por que fugir?
Em outras plagas não poderás ressentir
As lindas cores deste ardente arrebol!”

“Bem é certo que não pôde o meu amigo
Entender, pois não sentiu em minha rima:
A qualquer hora uma atroz mão assassina,
A mesma mão a quem dei meu fruto de primeira,
Vem sem piedade, com um sorriso voraz,
Em um breve instante, escuridão e... zás!
Estarei ruída nos santos braços da eira!”

“Pobre árvore! Não te lamentes, espera:
Deixa-me enxugar teu angélico orvalho.
Nós somos, afinal, sustento de um só malho,
Mesmo mapa infeliz de arrepiante destino:
Oferto meu canto e dou vida à vida,
Espalhas teus frutos, e pões a fome em ida,
Recebemos em troca, as penas de assassino!”

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Quando é que aparece um bruto. De repente,
O pássaro, aflito, as asas bateu e foi-se,
Diante do ranger do machado e da foice,
Cortando a lousa do ar, qual um bravo giz.
Dentro da terra - uma história de amor:
Ecos ecoam; são, eu bem sei, ecos de dor,
Lamentos de saudade a virem da raiz.

O pássaro partiu, carregando saudades.
Bateu as asas, foi para muito longe.
A sua alma - a de um desiludido Monge,
Reconheceu na chuva a cair do além,
Aquele orvalho que soube até a última hora,
Arrancar da árdua chaga ao peito que chora,
Sempre o doce prazer de se fazer o bem.

E um dia caiu em outra prisão por aí afora,
Desde então cantou, cantou como ninguém!
Aécio Cavalcante
Enviado por Aécio Cavalcante em 23/02/2007
Reeditado em 23/02/2007
Código do texto: T390160