POEMA
eu sei que o poema não espera
eu sei que o poema espera
e é sim e é não
em movimento e em inércia
o poema quer e o poema não quer
e eu sei que não sou eu mais
quando as palavras, perfiladas,
olham-me e com dedo acusador dizem
és meu!
eu sei que o poema me quer
assim como eu quero o poema
mas eu tenho pressa e angústia
o poema não tem pressa
eu aflito e os meus receios e o dedo trêmulo e a folha em branco...
o poema espera
anda, para, para, anda
e eu tudo
e o poema nada
entretanto,
quando o fim do dia chega
a folha está repleta de palavras que me dizem um mundo
os versos todos e o ritmo e os sons do poema
são vozes de um tempo e de outros tempos
e sou eu espalhado em cada estrofe
e não sou eu recortado em cada sílaba
e sou e não sou
e então rio de mim mesmo
e é o riso do parto
de parir e de partir
e de esperar o fim de outro dia
mais uma folha e mais uma agonia