Vida e poesia
É preciso cagar nas calças,
Babar espumas,
Sangrar por dentro.
É preciso rasgar as vísceras,
Queimar na chapa,
Dançar na lâmina.
É preciso furar os olhos,
Penar nos cantos,
Cansar sem camas.
É preciso cheirar carniças,
Apanhar de cinta,
Engolir venenos.
É preciso adoecer sozinho,
Receber mil tiros,
Deslizar em espinhos.
É preciso rastejar na lama,
Acariciar peçonhas,
Agonizar quieto.
É preciso mastigar concreto,
Soluçar morrendo,
Acordar com o medo.
É preciso implorar piedade,
Arranhar a imagem,
Sucumbir aos vícios.
É preciso se iludir com sombras,
Sacudir demônios,
Denegrir a si mesmo.
É preciso cair fraturando-se,
Sentir dor em cada osso,
Vomitar a última fome.
É preciso se afogar nas lágrimas,
Abraçar as facas
Misturar demências.
É preciso amedrontar o espelho,
Inventar desesperos,
Levantar aos tropeços.
É preciso ser esbofeteado,
Ter o nome insultado,
Crer que nada vale.
É preciso desafinar a vida,
Aumentar a ferida,
Enganar seus sonhos.
É preciso se adaptar aos surtos,
Estourar seus tímpanos,
Alimentar vergonhas.
É preciso se inferiorizar sem choro,
Cambalear por lodos,
Sambar sem jeito ou gosto.
Para fazer poesia
Não precisa rima,
Mas vida.
Para fazer vida
Não precisa rima,
Mas poesia.
02/06/2012